Marco Aurélio Nogueira
22 de maio de 2019 | 12h14
Se o próprio presidente da República diz que o grande problema do Brasil “é a classe política”, um obstáculo terrível ao bom governo, o que será que lhe passa pela cabeça como solução?
Um sistema político sem políticos não faz sentido e o presidente deve conseguir compreender isso. Quem negociaria as leis, quem faria as intermediações e promoveria a necessária “circulação” entre eleitos e eleitores? O presidente conhece o sistema, está nele há três décadas, beneficiou-se dele e gostou tanto que ajudou a promover a eleição de seus três filhos mais velhos, que também se tornaram homens do sistema. Nenhum dos varões da família se destacou, permaneceram todos na periferia, cuidando dos próprios interesses e se dedicando até mesmo a alguns trambiques, que agora veem a público.
Políticos são como o ar que se respira, não podem faltar. Quando de boa qualidade, revitalizam os organismos, ajudando-os a achar o rumo. Quando poluídos, intoxicam e paralisam.
O que levaria à ideia de que toda democracia que se preze deve conter mecanismos de permanente qualificação dos políticos, dos representantes, a começar da valorização da escola básica e do ensino superior até chegar aos partidos políticos, principais escolas de educação política. Ver-se-ia, assim, que o problema é maior do que “a classe política”.
O presidente ficaria então tentado a erguer um sistema político que, ao longo do tempo, se preparasse para se autoqualificar de forma permanente, reformando pouco a pouco seus integrantes. Mas isso esbarraria no fator tempo. O governo tem urgências, diz que não consegue governar com os políticos que estão aí, não pode esperar. Seu diagnóstico implica uma lógica terapêutica.
Esta lógica abre-se em duas. Pode aplicar a lei do silêncio, impedindo que parlamentares trabalhem valendo-se daquilo que os move, a palavra, o debate, a polêmica. Ou pode simplesmente decretar o fechamento das casas legislativas, instituindo uma ditadura explícita, uma ruptura institucional.
Acontece que, para fazer isso, o presidente necessitaria de uma inteligência tática e de apoios de que não dispõe. Seu núcleo de devotos é pequeno e não se caracteriza pela posse dos ingredientes indispensáveis: uma elite brilhante, ideias claras, corpos sociais estruturados, brigadas de combate.
Nada disso, o bolsonarismo é antes de tudo um sentimento, que se alimenta da desorganização dos cidadãos, do ressentimento, da raiva, da postura anti-establishment, da sensação socialmente dada de que não se pode confiar nos políticos. É por isso que se dedica tanto a surfar nas redes, onde conta com robôs obedientes e passa a impressão de uma força que não possui.
O presidente por certo sabe disso. A essa altura, já aprendeu algumas coisas sobre o sistema que foi eleito para governar. Se não as está utilizando, é porque não se dedica o suficiente. Ou porque está alheio ao mundo que o cerca.
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