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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O ministro antissocial

Solta no espaço, proposta de reforma tributária de Paulo Guedes mostra falta de sensibilidade

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Atualização:

Paulo Guedes é conhecido na praça. Não foi por acaso que chegou ao governo Bolsonaro. Seu radicalismo neoliberal compôs-se sem muita dificuldade com o autoritarismo do presidente. O "Posto Ipiranga" deu a Bolsonaro um programa mínimo com que caminhar para além da guerra cultural que ativou contra a democracia, os liberais e as esquerdas. Esta contribuição um dia poderá ser cobrada, pois não há indícios sólidos de que a política de Guedes/Bolsonaro conseguirá fazer o País crescer a taxas suficientes para a vida melhorar como um todo.

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O programa de Guedes está concentrado numa visão tosca de mercado e livre concorrência. É hostil aos trabalhadores e a políticas sociais de proteção e distribuição de renda. Caminha de costas para os temas ambientais e não está nem aí para o desmatamento amazônico. É uma forma de autoritarismo econômico, combinado com egoísmo e darwinismo social. Não tem, por isso, dificuldade de conviver com o bolsonarismo, incluindo as brigadas mais fanáticas.

Tudo isso implica um custo social elevado. Quem pagará a conta da inação governamental? Paulo Guedes enviou ao Congresso uma proposta de reforma tributária que é a cara do modelo atual: 12% de impostos para os serviços, 6% para os bancos. Igrejas, partidos e fundações -- que em tese não exercem atividade econômica - ficariam isentos. Por baixo do pano, para piorar, a ideia é recriar a CPMF, agora com novo nome e voltada para a taxação de "transações eletrônicas", típicas da vida digital que será vivida daqui para frente.

Pode-se admitir que a proposta do ministério da Economia carregou no remédio com o propósito de abrir negociação. Depois será suavizada. Faz parte do jogo, mas chama atenção a crueldade que está nela embutida. Drenar recursos dos mais pobres e poupar os mais ricos, com a desculpa de transferir recursos para os pobríssimos, via uma rebatizada Bolsa Família, é uma perspectiva perversa e pouco lógica. Os economistas do governo acenam, também, com uma perspectiva de "desoneração da folha", que já foi vetada pelo presidente meses atrás. Ninguém sabe bem como ficará.

Guedes é desses casos perdidos na política nacional. Não é economista brilhante, fez carreira como operador financeiro e sempre manifestou desprezo pela economia do setor público. Seus olhos brilham quando se apresenta como guardião do mercado. Sua competência, porém, nunca foi verdadeiramente posta à prova. Desde que passou a integrar o governo fala muito em reforma mas não entregou nada até agora.

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Os técnicos do ministério poderão negociar com o Congresso e mudar por completo a proposta inicial, que de resto caiu do céu, sem qualquer plano mais concatenado, que a vinculasse, por exemplo, a reforma administrativa ou a gastos sociais, que terão de ser incrementados no contexto da pós-pandemia para proteger os mais vulneráveis. Também não se sabe o que pensa o ministério em termos de inserção internacional, infraestrutura e meio ambiente.

Só o fato da proposta ter sido apresentada de modo improvisado e antissocial já é um indício claro de que boa coisa não poderá vir dela.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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