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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Mortos, feridos, vitoriosos

É preciso ir além dos partidos para decodificar os sinais emitidos pelas urnas

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Atualização:

Não é fácil falar de morte em política. Ela ocorre, porém, como em qualquer outra área da vida. Pode ser física (votos, cargos, posições) e é sobretudo simbólica (imagem, identidade). Mas o caráter da política está marcado pela segunda chance: quem eventualmente morre pode renascer mais à frente, com a mesma roupagem ou alguma nova maquiagem.

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A única morte eleitoral de 2020 ocorreu no campo do bolsonarismo, do presidente em particular, cujos candidatos tiveram desempenho pífio. A "nova política" e o PSL caíram juntos. Houve clara manifestação popular de rejeição a Bolsonaro e a seu estilo de atuação política.

A partir de agora, Bolsonaro está nas mãos do "Centrão" e de seus desejos. O bloco informal, integrado por dez legendas (Progressistas, PSD, PL, PTB, Republicanos, PSC, Solidariedade, Avante, Patriota e Pros), é basicamente de direita e decididamente fisiológico. Seus partidos podem ter chegado à prefeitura de 900 municípios. O PSD venceu no primeiro turno em Campo Grande e Belo Horizonte, passando para o segundo turno em outras dez cidades. Alguns deles têm musculatura: PP, PL, PSD e Republicanos, com boas bancadas na Câmara dos Deputados. Outros são nanicos, mas têm sangue nos olhos e bastante apetite. Juntando tudo, aumentaram o poder de barganha com as vitórias em 2020. O MDB, que também tem capilaridade (disputará o segundo turno em 12 municípios), flutua por ali.

Feridos houve alguns. O mais grave foi o PT, que piorou a performance exibida em 2016, que já fora péssima. Ficou fora de todas as grandes cidades, à exceção de Vitória e Recife, nas quais foi ao segundo turno. Mesmo que tenha passado para 0 segundo turno em 15 cidades, o partido repisou o mesmo terreno de sempre, não se renovou, não encontrou um eixo. Viu sua "hegemonia" ser abertamente contestada pelo PSOL, pelo PDT, pelo PSB e pelo PCdoB. A crise interna se agravou e será interessante ver como tudo isso será digerido pelo partido.

O PSDB saiu chamuscado, mas teve ampla compensação com Bruno Covas em São Paulo, que soube se livrar do abraço de urso de Dória. Os tucanos, porém, não ganharam mais força para disputar a liderança da centro-esquerda, sua marca desde as origens.

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Olhando o mapa nacional, e deixando de lado os pequenos fracassos e os feitos localizados, dois partidos podem se proclamar vitoriosos.

Um deles é o PSOL, pelo desempenho tido em São Paulo (marcante) e em Belém, e pela "nacionalização" da legenda. Foi a grande novidade de 2020, sobretudo por ter abalado o campo das esquerdas, que parecem ter fugido do controle do PT e poderão encontrar um novo alinhamento. O PSOL tem tudo para emergir como vetor principal desse realinhamento.

O outro é o DEM, que ganhou 3 importantes prefeituras logo de cara (Salvador, Curitiba e Florianópolis) e marcou presença no segundo turno em outras oito cidades. Seu desempenho está sendo visto, pelos analistas, como uma demonstração de força do centro democrático, o que ainda terá de ser mais bem avaliado. Mas é inegável que o DEM deu um sinal importante para o jogo político nacional, aumentando seu cacife como articulador da desejada união de forças democráticas para 2022.

É preciso ir além dos partidos para decodificar os sinais emitidos pelas urnas. As máquinas não parecem ter pesado tanto, o eleitor não se deixou arrastar por legendas, mas por nomes. Deixou-se atrair por caras novas, mas não perdeu de vista as caras velhas. Foi pragmático, digamos que com algumas inclinações ao centro e à esquerda.

Tivesse havido mais diálogo dentro de cada campo político (esquerda, centro-esquerda, direita, centro-direita), a oferta teria sido muito mais rica e as cidades teriam recebido melhor tratamento programático. Houve alguma canibalização interna que roubou força de candidaturas com potencial. Em alguns caso haverá correções de rotas, como em SP; em outras, a oportunidade foi mesmo perdida, como no Rio de Janeiro. Abriu-se nova temporada na política nacional. Os protagonistas ainda se repetem, em parte, mas os alinhamentos são outros e as possibilidades ficaram ampliadas. Ainda é cedo para dizer que aumentaram as chances de que as grandes disputas abertas para a democracia ganhem mais espaço do que as lutas intestinas voltadas exclusivamente para a autoafirmação. Mas as cores estão diferentes e o deslocamento de forças registrado até agora deixa o cenário mais otimista.

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Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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