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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Momento exige o abandono de todas as ilusões

Cenário 1. Vamos supor que o Congresso aprove, rápido como um flash, a realização de novas eleições presidenciais em 2 de outubro próximo, como quer o projeto do deputado Walter Pinheiro e como têm pedido os muitos que protestam. Se não der para outubro, admitamos que elas possam ocorrer logo no início do próximo ano. Vamos supor que o STF referende a decisão e que as eleições sejam mesmo realizadas. A campanha por "Diretas Já" vence e o comparecimento às urnas será maciço. Quem seriam os candidatos? Que discussão séria e substantiva poderia rolar? Que projetos seriam postos na mesa para a reflexão e a deliberação popular? Um novo presidente, ou presidente, seja ele ou ela quem for, só pelo fato de ter sido ungido pela soberania popular terá força suficiente para dar um jeito em tudo, acabando com os fariseus e os sacripantas, os corruptos e os conspiradores, os neoliberais verdadeiros e os dissimulados, os racistas e os homofóbicos, os oligarcas, as elites e os banqueiros sugadores de sangue, os exploradores impiedosos e os imperialistas insaciáveis? Ou haverá algum risco, remoto que seja, de que das urnas saia um reacionário completo, mais incompetente do que todos os que sentaram na cadeira presidencial até hoje? Se tal acontecer, seria ele a conduzir o país pelos próximos anos: quem ganharia com isso?

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Cenário 2. O governo Temer mostra-se incompetente e naufraga, arrastando para as profundezas do mar infinito o PMDB, o PSDB, o DEM, o PPS, o PSB, a Rede. O PT morre, ou continua a respirar com dificuldade, por falta de oxigênio. Os políticos que sobreviverem serão todos encarcerados pela PF ou exterminados pelo povo organizado, que os caçará pelas ruas como ratos sebosos e contaminados. A Lava-Jato enfia a faca até o cabo. O Congresso se desfaz como papel de seda. O que virá então? Um governo de técnicos e burocratas? Um governo composto pelo centrão e pelos partidos nanicos de extrema-esquerda? Os militares? O fim de todo e qualquer governo político em benefício da mobilização permanente e contínua das ruas, dos movimentos e dos cidadãos indignados? Como não haverá mais políticos, poderá não haver também articulação e as lideranças emergentes (autênticas, de novo tipo, "não-políticas") farão somente aquilo que lhes der na telha, conforme suas convicções mais enraizadas, cada torcida com seu hino, sem comunicação entre uma e outra. Ao final de um rápido ciclo de ajuste generalizado, quem sobreviverá?

Cenário 3. Você não consegue responder a nenhuma das questões acima apresentadas. Vira as costas para elas, como se fossem coisas de intelectuais alienados, conversa prá boi dormir. Afinal, você tem todo o direito de não gostar de política e de pensar que todos os políticos são iguais, miseráveis exploradores de gente que trabalha; ou de gostar e achar que, se a luta continuar, o céu se descortinará mais cedo ou mais tarde, pois afinal o futuro pertence à justiça social e ao socialismo. Toca em frente. Se angustia, se frustra, fica ainda mais indignado; seu mal-estar aumenta, seu inconformismo inflama, você radicaliza ainda mais suas posições e opiniões. Lembra então que a vida é dura, que sempre é preciso dar um passo de cada vez, que as coisas não acontecem como queremos, que há bloqueios objetivos e correlação de forças, e que o reconhecimento crítico disso requer que abandonemos todas as ilusões.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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