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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Mentiras que matam

Os atuais governantes federais mentem de modo contumaz. Há no País um governo mitômano, que age segundo suas próprias mentiras.

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A vida está impregnada de mentiras. Dizem que são universais e começam a ser lapidadas desde a primeira infância, na forma da chantagem e de artimanhas para escapar de algum castigo ou obedecer vantagens. Ao longo da vida, não haveria quem pudesse dizer que jamais mentiu. No amor, na cama, na família ou no trabalho.

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Há diferentes formas de mentira. Algumas são generosas, compassivas, quando, por exemplo, dizemos a um doente terminal que ele está melhor do que antes. São mentiras que servem para injetar ânimo e esperança, costumam ser vistas como inofensivas ou convencionais, pois buscam evitar constrangimentos ou encerrar uma conversa desagradável. Costumam ser aceitas sem muito questionamento.

Perto delas estão as mentiras para enganar e iludir, como as que acompanham o exibicionismo explícito praticado nas redes, ou que se apresentam em alguns jogos sensuais.

Outras são mentiras agressivas, voltadas para intimidar e causar medo, mesmo quando tentam sugerir o oposto. É invariavelmente vistas com horror, com expressão de fraude e falsidade. Quando Bolsonaro chamou os brasileiros de "maricas" por não enfrentarem a Covid com coragem e de peito aberto, ele ofendeu a todos os que amam a vida e buscam se proteger de doenças. Mostrou inacreditável falta de empatia e compaixão.

A mentira nua e crua, "escarrada", falsifica dados e informações, manipula fatos e procura enganar os interlocutores. São perversas, cruéis. Foi o caso do mesmo Bolsonaro quando comparou a Covid a uma "gripezinha", quando recomendou a cloroquina e questionou a validade do distanciamento social. O atual presidente, aliás, é praticante contumaz desse tipo de mentira, que não é inocente, nem se deve a sua compulsão pelo uso folclórico da linguagem ou pelo excesso retórico. Todo o seu ministério o segue passivamente, com maior ou menor servilismo. Um ministério mitômano, que age em conformidade com suas próprias mentiras.

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A verborrágica "narrativa" governamental apoia-se em mentiras calculadas, fabricadas para intoxicar redes e pessoas, passando a ideia de que em Brasília há quem cuide do povo e o proteja. São mentiras que causam confusão, medo e insegurança. Os integrantes e apoiadores do governo valem-se delas para espalhar que os "comunistas" estão às portas do Estado, em todos os lugares, que a esquerda é antes de tudo corrupta, que o coronavírus faz parte de um solerte plano de domínio da China, que as vacinas modificam o DNA de quem a elas se submeter. É um bestialógico sem fim, que impressiona por conseguir obter alguma ressonância.

Ainda hoje, 10/12, quando o País chega a 180 mil mortes há alta de óbitos em 22 unidades da federação,  o presidente foi ao Rio Grande do Sul e declarou: "Estamos vivendo um finalzinho de pandemia. O nosso governo, levando-se em conta outros países do mundo, foi aquele que melhor se saiu, ou um dos que melhores (sic) se saíram na pandemia". É uma mentira grave, proferida com frieza, que esconde fatos e ilude.

O ministro Pazuello mentiu três vezes nos últimos dias. Em alto e bom som, sem ruborizar. Mentiu quando disse que a Anvisa precisa de pelo menos 60 dias para emitir um laudo autorizando uma vacina e que, por isso, teríamos de esperar até março para começar a imunização. Mentiu, depois, quando disse que a vacinação pode ter início "ainda em dezembro". E mentiu também quando disse ter um plano para ativar o Plano Nacional de Imunização.

Tais atitudes, carregadas de falsidade e simulação, foram adotadas para obedecer ao presidente, o que deixa ainda pior a imagem do ministro da Saúde. Ele por certo desconhece a máxima shakespeariana, segundo a qual"as pequenas mentiras fazem o grande mentiroso".

Mentiras deste tipo matam pessoas. Não servem nem sequer para simular que há um gestor em ação. Enganam 200 milhões de cidadãos. Emporcalham o cotidiano, já tão cheio de lixo digital, miséria, sofrimento.

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É simplesmente vergonhoso que os atuais governantes federais comportem-se desse jeito. Seria cômico, se não fosse trágico, se não implicasse mais desgraça para a população. É uma atitude que mostra uma face feia do País, a mediocridade de sua elite política, a irresponsabilidade de seus dirigentes.

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O governo não consegue perceber o óbvio. O presidente e sua primeira-dama exibem-se em cerimônias para consagrar os trajes com que tomaram posse, numa das mais cafonas cenas públicas das últimas décadas. Libera pistolas de impostos e continua a disparar uma impropriedade por dia. A população anseia por vacinas e não há uma palavra de sensatez por parte dos que foram eleitos para governar a partir de Brasília.

O desgaste é inevitável, porque a população descobre que há somente um responsável por sua insegurança: o presidente e seu governo, que fazem politicagem e pequena política o tempo todo, como se não houvesse nada mais importante a fazer. Empurra-se tudo com a barriga, vacinação à frente.

A História o julgará, mais cedo que se imagina.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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