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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Governo pode não conseguir ser bom e mesmo assim sobreviver

O problema não é um governo de esquerda adotar medidas recessivas, "de direita". Isso é parte da vida política. O problema aparece quando este governo não consegue explicar direito porque está fazendo isso e o que pretende obter ao fazê-lo. Agiganta-se quando o governo não se preocupa nem em organizar bases sociais para apoiá-lo -- acreditando que basta ter bases e coalizões no parlamento para que tudo fique bem --, nem em mostrar como suas medidas econômicas "impopulares" deixarão de afetar as demais políticas governamentais.

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Atualização:

Falta muita coisa no governo Dilma, mas o que mais falta é comunicação, articulação social e discurso político (projeto). Para um partido de esquerda, que se pretende reformador e procura dar o melhor de si para viabilizar o governo, isso significa que falta o coração: o corpo (do partido, do governo) pulsa por inércia, sem ter sangue sendo bombeado para o cérebro. E pior, vendo suas orientações e suas realizações não serem assimiladas ou compreendidas, terminando por serem sobrepassadas pela abordagem oposicionista e pela análise independente dos não-alinhados.

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Na reunião ministerial que realizou ontem na Granja do Torto, em Brasilia, Dilma cobrou mais e melhor comunicação dos ministros com a opinião pública. Foi direta ao ponto. Mas não deu sinais de como fará a sua parte. Um governo não é uma algazarra de falas ministeriais: é uma entidade que depende de coordenação e protagonismo de um chefe, de um líder, e se isso falta suas pernas bambeiam. Pouco adiantará se o chefe atuar como "controlador geral" de seus ministros, castigando-os quando errarem o tom. Um chefe de governo não é um vigilante de ministros, um bedel dedicado a ver que não está fazendo a lição de casa e precisa ser punido. Se for muito chefe e pouco líder, o fracasso baterá à porta.

Não se trata de imaginar ou vaticinar uma situação em que o governo Dilma "cairá", encurralado pelo furor popular ou pela força das oposições. Nada disso existe no país. Governos ruins não estão condenados a "cair" e podem se estender no tempo, imunes à sua própria ruindade. Podem ter ótimas intenções mas não conseguir ser bons, e mesmo assim sobreviverem. Podem ser ruins e politicamente fortes, desde que se tenha uma situação em que seja grande a força das instituições, em que nenhum outro ator seja mais forte do que ele ou em que o governo seja em algum medida pouco necessário: uma situação em que os fatos trabalhem por si próprios, sem interferência de sujeitos -- processos cegos, sem projetos. Neste caso, o governo permanecerá, mas nada de virtuoso produzirá. Se a Fortuna assim o permitir, sequer a comunidade será particularmente prejudicada, ainda que não venha a ser beneficiada. Passado um tempo, ninguém mais dele se lembrará.

Do que se trata é de se ter ou não se ter um governo que seja capaz de se autocriticar, de traçar um plano de voo, de fazer com que as coisas aconteçam e o país melhore, de produzir compreensão social de seus passos e gestos, articulando-se a partir da sociedade, de suas forças e dinâmicas, e não somente a partir de partidos, manobras políticas e jogos institucionais.

Isso é o que decide. O resto ajuda, mas não é indispensável.

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Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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