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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Em São Paulo, a difícil luta para ir ao segundo turno

Batalha por votos e visibilidade mostra as dificuldades da esquerda na cidade

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Atualização:

É tragicômica a briga entre os partidos e os candidatos mais à esquerda pela Prefeitura de São Paulo.

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Com Bruno Covas (PSDB) e Russomano (Republicanos) disparados na frente, mas não necessariamente seguros, Boulos, França, Tatto e Orlando trocam farpas para ver se cativam um eleitorado suficiente para chegar ao segundo turno.

Lutam um vale-tudo, com direito a dedo no olho e rasteiras nos intervalos. Todos batem em Covas, cientes de que o eleitor paulistano médio gosta de atribuir ao Prefeito muitos de seus problemas cotidianos. Associam apressadamente o atual prefeito ao governador João Dória, sem preocupação em perceber as diferenças de estilo e pensamento que há entre eles. Deixam assim caminho aberto para Russomano, que vai comendo pelas bordas.

Na briga entre eles, o alvo principal é Marcio França, do PSB, acusado sistematicamente de ser um candidato "pingue-pongue" e "biruta de aeroporto", por mudar muito de posição. Não é uma descrição propriamente correta, mas pode render alguns votos.

Uma análise mais serena da situação pode revelar coisas que o arranca-rabo não mostra.

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Boulos, do PSOL, é uma candidatura típica da juventude mais engajada, mais esquerdista ou identitária, desejosa de protagonismo e decepcionada com os políticos tidos como "tradicionais". Sua postura de anticapitalista radical e defensor dos "abandonados" fala diretamente com aquela faixa do eleitorado. Boulos traz Luísa Erundina a tiracolo para tentar agregar experiência e prestígio à sua biografia, fortemente ancorada no movimento dos sem-teto, na luta por moradia, nas ocupações e na linguagem inflamada, de agitação. Não tem uma proposta factível de governo e faz promessas oportunistas, como a de criar uma faculdade municipal de medicina e adotar o transporte público gratuito, universal e permanente. Sua falta de conhecimento da gestão pública é flagrante, mas seu eleitorado não parece muito preocupado com isso. Boulos está, na verdade, disputando seu próprio futuro como político.

Já Márcio França tem a seu favor a boa rodagem como gestor (foi prefeito de São Vicente e governador do estado), o conhecimento técnico e a comunicação ponderada. Sua candidatura é apoiada pelo PDT, fato importante mas cujo efeito eleitoral efetivo é desconhecido. É uma candidatura que caminha pela centro-esquerda e que talvez viesse a ser, antes de Russomano, o principal adversário de Bruno Covas. Se acertar o foco, poderá por bastante nos que lideram a intenção de votos.

Jilmar Tatto amarga o fato de ser um candidato de gueto distrital, da "periferia". Sua família conta com vereadores e deputados, tem base consistente na zona sul da capital, principalmente na Capela do Socorro, e opera uma bem azeitada máquina política. Foi secretário  municipal dos Transportes, mas não se caracteriza por dialogar com outras regiões da cidade. Desceu pela goela do PT e tem agora que carregar o fardo de de um partido pouco empolgado e que nunca esteve tão desgastado. Tem muitas dificuldades para decolar. Tende a ser "cristianizado" e corre o risco de terminar a disputa em posição inglória.

Orlando Silva, por fim, está no páreo para celebrar o afastamento entre seu partido, o PCdoB, e o PT, que sempre agiram em aliança. Pode desempenhar um papel interessante, caso opte por buscar um espaço para além do esquerdismo e mais próximo de uma articulação democrática duradoura e reformista.

O catch entre essas candidaturas é um retrato bem-acabado das dificuldades da esquerda em São Paulo. Em vez de uma unidade programática que se dispusesse a pensar a cidade com uma pegada social e urbanística consistente, os candidatos deste campo entregam-se a escaramuças para alcançar um lugar ao sol. Não focalizam o mal maior, o bolsonarismo, e nem sequer conseguem marcar posição ou fazer com que a imagem da esquerda seja ressignificada e atualizada.

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Com isso, perdem os eleitores e perde a cidade.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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