Dilemas explosivos. A primeira delas indicaria que os fatos agravam a situação do já complicado governo Temer, ameaçando inviabilizar seus planos de definir o impeachment e aprovar algumas medidas emergenciais para conter a sangria das contas públicas e recompor a dinâmica política. Fazem isso porque a explosão atingiu a cúpula do PMDB e os estilhaços da bomba caíram como bolas de fogo sobre o que se pode tomar como sendo a "base aliada" do governo interino. Em boa medida, engessou o governo, que não pode apoiar as prisões para não perder o Congresso mas não pode ser contra elas para não perder a opinião pública e o prumo. Dilema complicado, que, de resto, também afeta o STF: o que podem, devem e farão seus integrantes, considerando que qualquer que seja a decisão a Corte estará envolvida no jogo político?
Muita gente se surpreendeu, mas os fatos estavam escritos nas estrelas. Todos os acusados são figuras conhecidas e suas trajetórias já foram suficientemente mapeadas. Pode-se ponderar que a inclusão de Sarney é um ponto fora da curva, dada a incontestável contribuição que o velho político deu à democratização do país. Mas ele se tornou alvo fácil a partir das conversações com Sérgio Machado e é errado pensar que as palavras não o atingiram.
A verdade é que a "classe política" brasileira precisa ser reeducada, para que no mínimo assimile o republicanismo. Precisamente por isso, é surpreendente que, diante dos fatos que gritam, os aliados do deputado Eduardo Cunha continuem indiferentes à marcha das apurações, completamente cegos para as abundantes provas já coligidas, para a desfaçatez e o cinismo do próprio deputado, para os próprios riscos de a ele se associarem de modo tão incondicional. Estão a dar um verdadeiro abraço de afogados, pelo qual pagarão preço alto. Algo simples de se perceber, mas que não tem força para dissolver lealdades cimentadas sabe-se lá com qual argamassa.
O problema é que a pressão posta pela PGR sobre os políticos pode morrer na praia (ser recusada pelo STF) e, pior, gerar um inédito "pacto" defensivo dos parlamentares e dos partidos, que se juntariam para frear não só a Lava Jato, mas qualquer reformismo político mais sério, de que o país necessita desesperadamente. Todos se agarrariam a esta rede de proteção, incluindo aqueles que se sentem hoje os mais prejudicados do universo, ou seja, o PT.
Nova plataforma. A segunda leitura sugeriria que o vazamento do pedido da PGR (e eventualmente o acatamento dele pelo STF) pode ter efeitos colaterais imprevisíveis. Um deles seria o impulsionamento ainda mais categórico da Operação Lava-Jato e a ampliação de seu alcance, com a inclusão na "lista negra" de novos políticos, ao lado dos já fichados (Lula, Dilma, Aécio, Fernando Pimentel, Henrique Alves -- uma lista quase sem fim). O sopro republicano que sai das entranhas do Judiciário cairiasobre a sociedade e o Estado, ajudando a opinião pública a compreender melhor os estragos causados por décadas seguidas de mixórdia entre o público e o privado. Neste caso, as prisões seriam a antevéspera apocalíptica de uma "limpeza ética", que poderia dar ao governo interino um argumento para se reformular e corrigir rumos, apoiado no medo pânico dos parlamentares e numa provável adesão popular. Tal hipótese, porém, só teria como materializar se as correntes democráticas e progressistas (liberal-democratas, socialistas, esquerda democrática, membros da Rede, do PPS, do PSDB, do PSB, do PT) se dispusessem a corrigir a rota suicida em que estão metidas aproximando-se umas das outras e oferecendo uma nova plataforma de pensamento e ação para o Estado e a sociedade.
Nenhuma destas duas leituras é otimista ou favorável a quem quer que seja. Mas a segunda ao menos abre alguma perspectiva que não seja o salto no abismo.
Saltos no escuro. Alguns dirão: ora, que se chamem novas eleições gerais e o problema estará equacionado. Mas como, com as regras atuais em vigência e com o mesmo padrão de "presidencialismo de coalizão"? Quem seriam os candidatos? Alguma liderança de novo tipo, alguém com musculatura democrática para pegar o touro à unha, alguém que faça mais do que deitar falação e fazer promessas vãs e demagógicas? E tudo isso para quê, para dizer que o povo foi ouvido e haverá então um "governo legítimo"? E quem convencerá os deputados a renunciar, ou a aprovar um plebiscito que imponha uma nova legislação? E que certeza se terá de que o povo votará "sim" num plebiscito deste tipo? E quando tudo isso ocorreria? Até lá, como ficaríamos?
Sei não, mas me parece que essa expectativa não nos levará a lugar nenhum. Assemelha-se mais a um salto no escuro. Poderá evidentemente sair das especulações e se traduzir efetivamente, mas à custa -- e somente se -- de um macro-acordo político, no estilo do defensivismo acima mencionado e que passará pela desaceleração da Lava-Jato e por arranjos legais que talvez não sejam os mais convenientes. Para se achar uma saída para a crise, talvez se acabe entrando por uma porta que abrirá para uma confusão ainda maior.
A verdade é que nada ajuda e tudo atrapalha. Embaralharam-se os lados do conflito político. Ninguém ganha, perdem todos. Os democratas, que poderiam fazer a diferença, parecem anestesiados, sem capacidade de articular um bloco que dê respaldo à recuperação da política e ao alcance de alguma "normalidade".
Isso para não lembrar que a esquerda está estraçalhada, se digladiando para ver qual ala é mais "radical" e "intransigente", sem qualquer plano de voo ou rota de fuga. Correm todos para o precipício mais próximo. Como é difícil imaginar saídas efetivas que não contem com o engajamento da esquerda não dogmática, mais generosa e inteligente, o nó fica quase impossível de ser desfeito.