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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Como o diabo gosta

Campanha eleitoral começa sem novidades, com promessas vagas e temperatura elevada

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Atualização:
 Foto: Estadão

O primeiro dia da campanha eleitoral teve um pouco de tudo. Caminhadas, encontros temáticos, comícios, bate-bocas e propaganda.

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Enquanto Ciro Gomes fazia campanha na periferia de São Paulo, Simone Tebet se reunia com representantes do setor cultural. Ambos procuram comer pelas bordas, tentando entrar de vez na disputa, que segue polarizada entre Lula e Bolsonaro.

Numa disputa polarizada, as atenções se voltam para os candidatos dos polos principais. É quase inevitável, tamanho é o magnetismo da própria polarização. O ruim de uma eleição assim é que se perde de vista o que pode haver de bom nas demais propostas e narrativas. Pior ainda é imaginar o efeito que o atrito visceral pode causar à sociedade. Não é difícil prever que, fechadas as urnas, dois campos antagônicos, com sangue nos olhos, perfilem-se no País, travando a governança, criando instabilidade e convidando a população a agir como militantes em tempo integral.

Num cenário desses, ganhe quem ganhar, o País perderá.

O tom principal do primeiro dia, como esperado, foi dado pelos candidatos que ocupam a dianteira nas intenções de votos. São os polos dessa batalha que não promete coisa boa. Como Lula e Bolsonaro brigam entre si, terminam por falar aos segmentos que já aderiram a eles ou que podem ser conquistados. Falam para dentro de suas bolhas e tentam se infiltrar nas bolhas adversárias, com o propósito de alertá-las, confundi-las, quebrar resistências. As pesquisas indicam que cerca de 70% do eleitorado já definiram o voto. Trata-se, pois, de consolidar essas intenções e, paralelamente, roubar alguns eleitores que ainda vacilam ou que manifestam simpatia pelas candidaturas que fogem da polarização.

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O quadro está como o diabo gosta.

Bolsonaro diz que sua postulação expressa a "luta do bem contra o mal". Sugere, evidentemente, que ele representa o lado bom. Não demonstra com clareza que tipo de bondade praticará, depois de acumular uma folha de serviços maldosos e perversos nos últimos quatros anos. Apela ao sagrado, como se fosse uma espécie de ungido pelos céus. Usa e abusa da religião, da defesa da família, dos costumes tradicionais. A intenção é capturar o eleitorado mais conservador e religioso, temperando isso com seguidas vociferações antipetistas. Nada de novo.

Lula responde com uma moeda parecida. Diz que Bolsonaro está "possuído pelo demônio" e é um "fariseu, que manipula a boa fé de homens e mulheres evangélicos". Lula parece confortável na posição de líder das intenções de voto. Até agora, não apresentou planos de governo, suas ideias são as mesmas de sempre: combate à fome, à desigualdade, mais emprego e crescimento econômico. proteção aos mais pobres. São coisas nobres e boas de serem ouvidas. Deveriam vir acompanhadas dos passos que terão de ser dados para que virem realidade. Sem isso, são promessas vagas.

Dada a partida, agora é ver como o jogo será jogado nas próximas semanas. Se tudo permanecer como no primeiro dia, a disputa esguichará sangue por todos os lados. Disputas polarizadas costumam avançar com elevação constante da temperatura. Esse padrão somente não se reproduzirá se candidatos terceiros entrarem em cena com força e propostas claras.

 

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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