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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Com suavidade e firmeza, Simone Tebet demarca seu território

Fluente e com domínio da cena, a presidenciável do MDB-PSDB-Cidadania quer mostrar que uma candidata mulher pode fazer diferente desde logo no terreno das palavras e que isso indica que sua postura, caso se torne presidente, será comunicativa e aberta ao diálogo

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Atualização:
 Foto: Estadão

Ontem à noite, 25 de julho, a senadora Simone Tebet foi a primeira entrevistada da Central das Eleições da GloboNews.

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A entrevista foi inusitada e muito boa. Por dois motivos: seu formato e a conduta da pré-candidata do MDB-PSDB-Cidadania.

O formato foi uma inovação marcante. A sabatina durou 3 horas e dela participaram todos os jornalistas políticos e econômicos da emissora. Uma bancada de cerca de 10 profissionais, que se revezaram e apertaram Tebet de todas as maneiras. Como não houve demarcação rígida de tempo, as perguntas foram feitas com clareza e insistência e as respostas puderam ser mais longas e detalhadas, permitindo que a candidata apresentasse com tranquilidade seu pensamento e suas propostas. 

Simone Tebet enfrentou todos os temas que estão hoje na agenda brasileira. Não fugiu de nenhum deles, não se escondeu nem tergiversou. Foi impressionante sua capacidade discursiva, sua fluência e seu domínio da cena, com uma retórica firme e ao mesmo tempo calma e suave. A ideia era mostrar que uma mulher candidata pode fazer diferente desde logo no terreno das palavras e que isso fornece indicações claras de como será sua postura caso se torne presidente: uma postura comunicativa e aberta, que sugere a possibilidade de um governo interativo e dialógico, com propostas claras, disposto à divisão de responsabilidades, ao planejamento e à coordenação das várias instâncias da gestão pública.

Tebet foi da política ao meio ambiente, das questões sociais à economia, do Congresso às instituições do Estado, dos partidos políticos às Forças Armadas. Mostrou grande firmeza ao falar da Educação e das desigualdades que massacram a sociedade, manifestando uma postura favorável à igualdade das mulheres, e das mulheres negras em particular, defendendo a superação de todo tipo de discriminaão e racismo. 

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Um momento mais tenso ficou por conta das perguntas sobre as dissidências de oposição à sua candidatura dentro do próprio partido, o MDB. A resposta foi direta: os que se opõem a ela e defendem apoio a Lula logo no primeiro turno são uma minoria composta por ex-ministros dos governos petistas. Em um partido democrático, Tebet acredita que atitudes como esta precisam ser toleradas. Ela se mostra confiante na conquista da maioria na Convenção emedebista do próximo dia 27, convicta da força das bases municipalistas do partido. 

Para os que duvidavam de sua capacidade, Simone saiu-se muito bem. As redes repercutiram a entrevista.

O professor Paulo Fábio Dantas Neto, da UFBa, fino analista da política brasileira, observou que ela exibiu uma "postura geral bem informada, ponderada, assertiva e simpática, sem ser grosseira nunca. Em conteúdo, foi excelente no tema do meio ambiente, do orçamento, da educação, dosou bem o da corrupção  e se saiu de modo muito fluente tanto em temas de gestão, como nos diretamente políticos. Não notei um escorregão sequer em todos os assuntos que envolvem o parlamento, inclusive em questões espinhosas como o papel de Rodrigo Pacheco no orçamento secreto e o do seu próprio voto na PEC das bondades. Passou pelo tema do MDB de modo inteligentíssimo, capitalizando a situação sem se fazer de vítima. Mostrou segurança e esperteza, com muita classe". 

Paulo Fábio também observou: "Simone foi concisa, precisa e clara nos temas do  impeachment de 2016 e dos  fracassos do governo Dilma e saiu-se bem na resposta sobre seu voto no segundo turno. Com isso tudo  ela demarcou muito bem suas diferenças com o PT sem ser agressiva. Somado ao alto tom das críticas severas a Bolsonaro, isso permitiu não deixar dúvida sobre posição que ocupa no centro democrático". 

Ao longo da sabatina, Tebet deixou de se posicionar com maior clareza e contundência em dois pontos. Primeiro, não mencionou as diferenças flagrantes que há entre Lula e Bolsonaro, limitando-se a condenar a "polarização negativa" alimentada pelos dois. Poderia ter dito, por exemplo, de modo sucinto, que com um há risco de golpe e com o outro não, que um fomenta a violência e a truculência, o outro não. O segundo ponto foi o modo como enfrentou a questão militar. Limitou-se a elogiar o profissionalismo das Forças Armadas e a desconsiderar os riscos atuais implícitos na grande derivação bolsonarista de militares, que considerou provenientes de "pequenos grupos" das Forças. Deixou no ar o que pensa de fato sobre o problema.

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O professor José Álvaro Moisés, da USP, comentou que, no trato da questão social e das desigualdades, "ficou genérica  demais a indicação de propostas de como enfrentar isso". Ele também observou que Simone "deveria elaborar mais a questão da democracia, que ela defende de modo geral, sem fazer referência à independência dos poderes, à crise de reapresentação e aos problemas derivados do esvaziamento dos partidos. Uma candidatura de centro democrático precisa dar aos eleitores motivos para eles voltarem a confiar nas instituições democráticas". 

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O ensaísta Luiz Sérgio Henriques viu na disposição de Tebet aquele indispensável "grão de loucura" que todo candidato precisa ter para enfrentar uma disputa altamente competitiva. A professora Lourdes Sola, da USP, acrescentou que "a combinação de gana de poder, autoconfiança e interesse genuíno na formação de um arco amplo de apoios políticos e econômicos, dá a sensação de que a luta democrática brasileira mudou de patamar".

Simone Tebet deixou evidente que não está brincando de candidata. Mostra que olha para o presente e o futuro. A meu ver, ela convence que deseja mesmo ser presidente e acredita em suas propostas. Afirma que sua posição na faixa dos 4% das intenções de voto irá se alterar na medida em que fizer campanha. Este último ponto terá de ser verificado nas próximas semanas.

Pelo que se viu na longa sabatina, não há como deixar de levá-la a sério. Paulo Fábio observou que ela se diferencia dos demais candidatos e nos convida a ingressar num barco que navega "em mar calmo, sem solavancos, com movimentos sinuosos e sem cair em tom monocórdio.Ela prende a atenção sem incomodar". Coisa que provavelmente decorre de uma mistura bem singular entre estilo pessoal e tom feminino.

Agora, devemos acompanhar as entrevistas dos demais candidatos e a partir delas fazer as devidas comparações. No momento, o que ficou claro é que Simone Tebet dará trabalho aos adversários.

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Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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