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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Com a extinção da Fundap, morre parte da inteligência técnica paulista

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Atualização:

 Trabalhei na Fundação do Desenvolvimento Administrativo-Fundap durante toda a década de 1990. Aprendi muita coisa com esta instituição admirável, verdadeiro celeiro de profissionais dedicados à gestão pública e à valorização do Estado e de suas políticas. Só tenho a agradecer a oportunidade que tive de poder conviver com aquele que foi um grande centro de excelência em administração pública.
Digo "foi" porque a Fundap acaba de ser extinta por um projeto de lei do governador de São Paulo aprovado esta semana na Assembleia Legislativa do Estado. Ainda que a iniciativa estivesse em cogitação há tempo, foi um choque, para mim e para tantos outros, vê-la traduzida em decisão. Penso que se cometeu um erro, do qual o estado de São Paulo ainda se ressentirá. Em nome de uma discutível economia orçamentária, matou-se parte importante da inteligência especializada que tanta falta faz hoje em São Paulo e no País.
Muitos escreveram a respeito, em protesto e solidariedade. Nenhum texto, dos que pude ler, supera o de Regina Faria, cuja vida se entrelaçou com a da Fundap, onde ela desempenhou um papel de primeira grandeza. Regina fala com o coração e não se entrega ao lamento simples: não só reconhece que a jornada da instituição foi vitoriosa como deixa aberta a perspectiva de que os profissionais da Fundap continuarão ativos, disponíveis a governos que saibam reconhecer seu valor.
Convidei-a para publicar o texto aqui. Como homenagem à Fundap e aos amigos que deixei lá. Mas também como homenagem a uma mulher intelectual, de rara sensibilidade técnica e política, que tem sabido manter bem alto a bandeira da seriedade, da responsabilidade pública e da democracia.
#AgoraÉQueSãoElas
"Que sejamos felizes e infelizes misturadamente"
[Miguilim - Conforme Guimarães Rosa]

Por Regina Faria Trabalhei na FUNDAP por mais de duas décadas, como técnica senior e gerente do Centro de Formação. Deixei-a quando me aposentei, mas a FUNDAP permaneceu em mim: pelo que me ensinou e pelo que me permitiu fazer na área de capacitação e aprimoramento de executivos e gestores de políticas e projeto públicos. Agora -- pelo voto de deputados que provavelmente desconhecem e não se interessam pelo valor e pela importância das instituições que integram a estrutura da administração pública de São Paulo -- a FUNDAP foi extinta! Aos deputados que votaram a favor da extinção da FUNDAP - e que supostamente foram eleitos para nos representar no Legislativo - quero contar um resumo do Projeto Institucional da Instituição cuja trajetória relevante e necessária acabam de interromper. Faço isto para impedir que o desânimo e a tristeza tomem o lugar da energia e da esperança. A FUNDAP foi criada há 41 anos com a missão de aprimorar a administração pública paulista. Operacionalizou seu trabalho com autonomia e gerou, sempre, uma porcentagem expressiva dos recursos orçamentários necessários. Formou profissionais competentes e aprimorou a estrutura e os procedimentos da administração paulista. Todos reconhecem os benefícios para a população advindos dos serviços e programas governamentais cuja implementação viabilizou, seja capacitando os operadores, seja assessorando os formuladores (o Poupa Tempo é um exemplo desta atuação). Cooperou com organizações brasileiras e internacionais (países da África e da América Latina) identificando necessidades e solucionando seus problemas estruturais e operacionais, através de intervenções de reconhecida excelência sem custos para o governo de SP. Gerenciou durante décadas o Programa de Residência Médica de SP, realizando estudos que subsidiaram a política de formação e especialização dos nossos médicos. Administrou, com reconhecida competência, o sistema de bolsas e estágios. Ofereceu sistemáticas análises da conjuntura econômica e social, ampliando o conhecimento do presente e viabilizando eficazes projeções do futuro. Desde que soube do projeto de lei do atual governador objetivando extingui-la, redobrei meus humildes esforços para defendê-la, divulgando informações sobre seu perfil, sua atuação e a inegável importância da sua missão. Gravei depoimento em sua defesa e, apesar de necessariamente editada e simplificada, minha fala representou o desabafo e a tristeza de ver destruído o trabalho de centenas de profissionais expressivos e competentes. Hoje morre uma parte importante da minha história e da história de muitos que trabalharam ou ainda trabalham ali. Mas esta é uma mensagem de esperança e certeza de que os profissionais da FUNDAP continuarão emprestando sua inequívoca competência e o seu compromisso profissional a governos que saibam reconhecer o seu valor. Até breve colegas. Nossa jornada é vitoriosa: pelo que fizemos e pela nossa capacidade de ultrapassar obstáculos interpostos por decisões políticas de decisores incapazes de identificar, reconhecer e valorizar o ouro que tiveram nas mãos. Um beijo solidário para cada uma e cada um de vocês.


Regina Faria é socióloga, Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e ex-gerente do Centro de Formação da FUNDAP.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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