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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Além do futuro

Candidatos que falam em resolver tudo à bala fazem par com um político preso que promete fazer o povo ser feliz de novo

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Atualização:

Não deve haver brasileiros que ao menos uma vez na vida não se perguntaram se o Brasil tem jeito, é viável.

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Eleições são momentos de esperança e reflexão, desenhados para energizar a cidadania e impulsioná-la para um patamar de maior compreensão das dificuldades e possibilidades de uma dada comunidade. Por elas trafegam o futuro, o passado e o presente, imbricados numa dialética de reiterações e superações.

Em 2018, no Brasil, os debates eleitorais têm sido rasos: diagnosticam rapidamente algumas dificuldades, carregam nas tintas ao falar do presente e se dedicam a apresentar um futuro que está ao alcance das mãos. Nenhum candidato faz a pergunta crucial: não estaria o Brasil perdendo tempo, deixando-se envolver em choques e atritos perfunctórios, que dizem pouco sobre o futuro? Estamos conseguindo vislumbrar o futuro ou corremos o risco de vê-lo se dissolver, como se estivéssemos além dele, numa zona de trevas e gases tóxicos, que impedem a visão e inebriam?

Largas faixas da população vivem com a impressão de que, no curto prazo da história, até onde pode chegar a visão, não haverá dias melhores.

Os desafios são enormes, a desigualdade é brutal, há excessos e desperdícios de todo tipo, ao lado de carências em praticamente todos os setores da vida nacional, os privilégios (sociais, de renda, políticos, educacionais, tributários) se reproduzem sem cessar, protegendo os mais ricos e onerando as camadas médias e os grupos mais pobres.Falta saneamento básico para metade da população, o sistema escolar ensina pouco, a cultura está abandonada, há uma sensação geral de que nada funciona bem, nem sequer nas olhas mais ricas da sociedade.

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O incêndio trágico que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro parece o emblema de um país em ruínas.

A crise política - que é moral, técnica, institucional - ricocheteia em tudo, bloqueando a vigência da racionalidade democrática e o surgimento de elites generosas, dispostas ao sacrifício, conscientes de uma transição epocal que, hoje, se processa às cegas.

As cúpulas da sociedade, onde estão os políticos, os juízes, os governantes, os intelectuais, os líderes corporativos, os professores, os médicos, os advogados, os engenheiros, os cientistas, os artistas, rebaixaram-se às conveniências do momento, aos frêmitos da indignação postiça, às artimanhas para não perder o protagonismo, seja lá o que se entenda por isso. E o que se vê é uma sucessão interminável de manobras de efeito, acertos de bastidores, narrativas insensatas e discursos empolados, que pouco têm a ver com o país real e que não se comunicam com a população. Mesmo as pregações mais inflamadas e "radiciais" terminam por ceder aos poderosos, sob a desculpa de que é preciso fazer justiça com as próprias mãos ou conclamar o povo a se mobilizar por seus "heróis". Entre as elites propriamente estatais, vigora a prática de por panos quentes em tudo o que gere ruído, mesmo quando isso confronte o que está instituído para proteger a democracia.

Candidatos presidenciais que prometem "ordem e autoridade" e falam em resolver tudo à bala fazem par com um político preso que diz ser alvo de um golpe e promete fazer o povo ser feliz de novo, enquanto os demais postulantes ao cargo magno da nação tartamudeiam, sem se darem conta do perigo que estão todos a correr, da urgência da hora presente, da gravidade do momento.

Os primeiros não têm estrutura de campanha, carecem de serenidade, cordialidade e pudor, são toscos e agressivos, mas interagem com uma legião de brasileiros reacionários, indignados, sem esperança, hostis à política e à democracia, que não conseguem mais acreditar em nada e acham que o circo merece pegar fogo.

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O político preso, por sua vez, posa de vítima mas é tratado com luvas de pelica pelo sistema prisional e pelos poderes do Estado, cercado de privilégios que reforçam sua deificação. Está preso, mas circula como nunca, graças às facilidades de que goza e à complacência dos poderes do Estado. Tem um partido que o obedece em tudo, que rasteja diante da cela de Curitiba à espera das ordens e da palavra final do ungido - um partido que já foi grande mas que um belo dia regurgitou por excesso de poder, se deixou anquilosar e não consegue empreender qualquer atitude de renovação. Consegue-se, assim, manter encantados os fiéis, convertidos numa seita autoritária e fechada à divergência. O povo, impressionado, mantém-se à distância, meio triste, meio indiferente, confiando que a torrente de promessas demiúrgicas finalmente desabará sobre a terra.

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Cegos pela irrazão, pelo desejo de vingança e pela sede de poder, os lulistas humilham seu candidato verdadeiro, um intelectual, que aceita a humilhação sem reservas e com o orgulho do dever cumprido, agindo como se fosse o vice-condottiere da marcha invencível do povo pobre. Joga-se fora o espírito cívico, a autonomia, a grandeza pessoal e o cálculo democrático, como se não houvesse amanhã e o futuro pouco importasse.

Enquanto se assiste a essa pantomina de "esquerda" e de "direita", o país, ofegante e desorientado, paga o preço por seu atraso secular, por sua ingenuidade já senil, por sua incapacidade de enxergar através da névoa e da fumaça.

Passam-se os dias e o futuro vai passando sem que nunca tenhamos ingressado nele.

A opção tornou-se uma só: se não quiserem que o Haiti seja aqui, os brasileiros precisam tirar do fundo da alma uma dose extra de sensatez e determinação para dar alguma chance ao futuro. Não será certamente possível começar de novo, mas se houver esforço e um mínimo de união será possível limpar a sujeira acumulada, fazer um novo pacto e lutar para que o carro volte a pegar.

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Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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