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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A violência política que nos atinge a todos

O próximo ciclo será de reorganização e reconstrução. Necessitará de inteligência técnica, serenidade, sabedoria política e capacidade de comunicação. No Estado e na sociedade.

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As notícias se sucedem, com relatos assustadores de casos de agressão e morte, intolerância e discriminação. A violência ficou ostensiva, como nunca antes. Vem expressivamente de um dos campos da disputa eleitoral, e reflete uma situação social que ameaça extrapolar os limites do razoável.

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Não basta Jair Bolsonaro dizer que "não controla seus apoiadores". Não mesmo. Justamente por ter recebido 50 milhões de votos, ninguém tem mais representatividade para se dirigir aos seus seguidores e desautorizá-los. Ninguém tem mais força para se apresentar como alguém preocupado com a "paz social" e, sobretudo, com a desativação da bomba da violência política.

Até porque a partir dela ele não governará, caso vença o segundo turno.

Ela começa devagar, localizadamente, disfarçada pela crispação social e pela troca de acusações entre eleitores. Combina-se em seguida com demonstrações de força e agressões físicas, sempre mais veementes e carregadas de simbolismo.

Um belo dia, acordamos todos com a violência política batendo à nossa porta, ensanguentando as ruas do País, roubando oxigênio do debate político democrático e da convivência entre cidadãos que pensam de forma diferente e desejam viver em paz e liberdade.

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O roteiro é conhecido e difícil de ser neutralizado. Sobretudo porque a violência que nos atinge está colada na vida cotidiana, no Estado, na polícia que mata em demasia, nos jovens largados à própria sorte, no tráfico. Sua expressão política "desorganizada" e "espontânea" dificulta a atribuição de culpas e responsabilidades.

A violência política é a porta de entrada de um turbilhão de condutas desagregadoras, sectárias. Tem um efeito pedagógico trágico, ao incentivar as pessoas a resolverem suas diferenças na base de facadas, porradas e caneladas. Corta o diálogo. Tem até mesmo um efeito estético, ao valorizar a grosseria no lugar da argumentação, a frase troncha e tosca no lugar do encadeamento lógico de razões, o insulto em vez da divergência ponderada.

Não vale dizer que o outro lado também pratica violência. Quem a comete deve ser igualmente criticado, punido, responsabilizado.

A violência política corrompe a cidadania e entroniza hordas de indivíduos sem dimensão moral, sem preocupação com o coletivo, gente que age de modo "tribal" mediante a disseminação do medo e da intimidação.

A estética da ala hard do bolsonarismo diz muito. Coturnos, uniformes, músculos, suásticas e armas ocupam o espaço que deveria ser povoado por bandeiras e palavras de mobilização e apoio. Não são atos gratuitos ou gracejos: são transmissores de mensagens de guerra.

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Nenhuma comunidade política terá chances nesse clima. Dado o tamanho do buraco que se abriu à frente do Brasil, quanto antes as lideranças fizerem ouvir sua voz para condenar o irracionalismo que se oculta na violência política, melhor para todos.

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O próximo ciclo será de reorganização, recuperação, reconstrução. Somente chegaremos inteiros ao seu final se houver inteligência técnica, serenidade, sabedoria política e capacidade de comunicação. No Estado e na sociedade.

Olhemos para frente. Com o desenho que terá o próximo Congresso, com sua fragmentação em bancadas de que não se conhece o perfil e o preparo, que Presidente conseguirá governar com um mínimo de critério, confiabilidade e firmeza? A pergunta não é retórica, especialmente quando se lembra que o programa de atuação de Bolsonaro ainda é uma especulação, ele próprio é "desorganizado", não tem uma equipe de suporte, nem experiência administrativa.

Se ele, para além disso, não conseguir acalmar suas tropas, o pesadelo será inevitável.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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