A gente se esforça para ser otimista, ver o mundo humano como um espaço de cooperação e solidariedade, com vírus e doenças sob controle e as pessoas se dedicando aos afazeres normais. Precisamos aprender a ser mais frios e ponderados. Um otimismo razoável precisa estar enraizado no realismo, sob pena de se arrastar para a frustração.
A segunda onda do Covid-19 está a atingir pesadamente os principais países da Europa, elevando com rapidez os casos de contaminação e forçando a adoção de novas medidas de lockdown.
É uma espécie de anticlímax, que contrasta e refreia o alivio sentido pelos europeus logo que a primeira onda pareceu ter sido debelada, por volta de junho. O presidente francês Macron não economizou palavras: "O vírus circula a uma velocidade não esperada nem pelas previsões mais pessimistas. Como todos os nossos vizinhos, estamos afundados pela súbita aceleração do vírus".
As previsões, agora, são de que a segunda onda será mais dura do que a primeira. É a certeza da incerteza, o risco vivido como cotidiano.
Pode ser que a mortalidade seja mais baixa. Há mais conhecimento sobre a doença, sabe-se melhor como tratar os infectados, há mais testes rigorosos que mapeiam a contaminação e ajudam a planejar o isolamento. Mas o perigo está vivo e a respostas de diversos governos tem privilegiado medidas de quarentena, toques de recolher e fechamento de bares, restaurantes e cinemas.
A verdade é que faltam boas estratégias nacionais de enfrentamento do vírus. Há poucos consensos sobre como fazer isso. Políticos, governos e partidos não se entendem e terminam por atribuir-se culpas recíprocas. E a população, desorientada, resiste ao cumprimento de normas rígidas de distanciamento.
O Brasil segue em direção ainda mais tortuosa. Ainda estamos na primeira onda e a tendência geral é de relaxamento progressivo. Baixaram-se as defesas e as pessoas voltaram a circular quase como antes. O desejo de "normalizar" grita bem alto. O fato, porém, é que continuam a morrer muitos brasileiros diariamente, situação que leva o país a ser colocado numa péssima posição quando se privilegia o número de mortos por 100 mil habitantes. O governo continua a tratar a doença como coisa menor, boicota as políticas de proteção e debocha da própria desgraça. Abre uma guerra política contra uma vacina que ainda nem existe, minando a confiança da população na ciência e na pesquisa médica.
Dá para imaginar como estaremos quando o verão chegar e todos se entregarem à pulsão tropical pela aglomeração ao ar livre, com direito a abraços e beijos?