Quarta-feira, 17 de junho, foi um dia movimentado. Repleto de declarações hipócritas, dissimuladas, agressivas. O Palácio do Planalto converteu-se num bólido que dispara incessantes petardos sobre a opinião pública e a sociedade, incluída aí, evidentemente, a economia. A pandemia continuou a se alastrar, com uma sucessão aterrorizante de mortes e contaminações.
"Está chegando a hora de colocar tudo no devido lugar", disse o presidente pela manhã, para enfatizar que "eles estão abusando", uma acusação sem eira nem beira que só ficou clara quando houve o esclarecimento de que o governo achava improcedente a investigação pedida pela PGR de alguns deputados e de um senador bolsonarista. O presidente disse que tal ato não se encaixaria em nenhuma democracia do mundo, "nem na mais frágil".
À tarde, foi dada posse ao ministro das Comunicações. Na solenidade, o presidente foi no embalo do discurso conciliador do novo ministro e surpreendeu, declarando que todos devem aceitar e respeitar "cada artigo da nossa Constituição", que celebra a democracia.
Faltou dizer: a começar dele próprio.
Durante o dia, a conduta presidencial se mostrou desconectada da realidade, alheia a ela. Ou por cálculo, para tumultuar e emitir sinais cruzados, ou por pura alienação, devidamente misturada com fanatismo ideológico e desejo de afirmação. A vida, para ele, transcorre em outro diapasão, no qual ele seria a vítima preferencial de todos os poderes.
É uma anomalia, que não se enquadra no modo como se pensa a conduta política "normal". Seu comportamento se assemelha ao de Trump e de outros líderes autoritários: mentir, iludir, desmentir o que foi feito ou falado, ameaçar. Redes e algoritmos estão aí para servi-lo. A seu lado, para complicar, um punhado expressivo de oficiais militares, que lhe fornecem sombra e proteção.
O núcleo teme que certas investigações em curso (fake news, Queiroz, assassinato de Marielle, ataques ao STF) progridam e desabem sobre o governo e a família do presidente.
Não há como dizer, sem diagnóstico, que o presidente está surtado ou sofre de algum desvio de personalidade. Mas sua conduta tem muito de paranoica e psicótica.
Como bem lembrou, dias atrás, o professor Edgard de Assis Carvalho, antropólogo e estudioso da complexidade, há em Freud um conceito que se encaixa perfeitamente aqui. Em "Neurose e psicose", texto de 1924, o pai da psicanálise se refere à amência, "um confusão alucinatória aguda, talvez a mais extrema e impressionante forma de psicose, em que o mundo exterior não é percebido é percebido ou sua percepção não tem qualquer efeito".
Independentemente disso, o fato é que um governo comandado por uma pessoa desconectada da vida real (a pandemia), mas agressiva ao extremo, não tem como dar certo. Ainda mais quando se vê que é integrado por pessoas assemelhadas, Weintraub, Ernesto Araújo, Damares, Wajngarten, Mendonça, todas irmanadas no mesmo desejo de acossar a sociedade e defender ideias que só provocam atrito e desagregação. Uma ilha cercada por militares e fanáticos.
Um governo assim é tóxico. Ele pode falar o que for, mas sua hostilidade à democracia, a convergências e composições, é tão flagrante que não consegue ser simplesmente varrida para baixo do tapete.
Podemos fazer a análise de que formos capazes, mais sofisticadas ou menos, mas a verdade é que se chegou a um ponto de exaustão. A cada dia fica mais difícil a pacificação do País e a gestão competente da epidemia e da economia. É uma saturação que sugere rupturas. A partir daqui, se nada for feito, o País terá seu futuro mais imediato gravemente comprometido.