Humberto Dantas
03 de março de 2020 | 08h20
Faz cerca de um ano que os políticos estaduais e federais eleitos em 2018 tomaram posse. Os membros do Poder Executivo em janeiro, e os legisladores em fevereiro – a exceção está na Assembleia Legislativa de São Paulo, cujos mandatos começaram em março. Em 2022, isso será finalmente corrigido, seguindo padrão nacional. Nesse período, fico me perguntando: o que representa a tal “nova política” que encantou tanta gente nas últimas eleições?
Por razões óbvias, descartarei dessa identificação o que vem do Poder Executivo federal. O discurso conservador que democraticamente agrada milhões de brasileiros é marca dessa ausência. A defesa da família e dos amigos; os encontros às escondidas com lideranças partidárias; a agressividade pouco democrática; o escancarado flerte histórico com milicianos; o desequilíbrio emocional e intelectual; a sensação de ser maior que o próprio partido; a acusação de que corruptos “são os outros”; as negações às ações da justiça apontando o dedo para adversários e inimigos imaginários; o ataque à imprensa; a liberação de espaço e recursos federais aos montes para aliados, isso tudo é antigo. Muito antigo, infelizmente.
Sobram aqui os governadores, mas não tenho condições técnicas de analisar os 27. Sobrarão, assim, os legisladores, e aqui deixarei de avaliar as assembleias, com exceção de uma casa vergonhosa chamada Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e seus velhos vícios de poder submisso – suas CPI’s continuam inofensivas e suas leis inconstitucionais, como bem mostrou esse jornal. Também vou ignorar os senadores, bem como os deputados da bancada da agressividade na Câmara que, a despeito do primeiro mandato têm levado para o parlamento um comportamento infantil, desequilibrado e pouco produtivo – o grupo eleito pelo PSL, a despeito das recentes separações, se destaca com louvor aqui.
Sobra o que será o tema central de nossa conversa. E sobra algo? O que os agentes da “renovação” trouxeram de tão especial em um ano de mandatos parlamentares na Câmara dos Deputados? Você viu algo tão diferente e capaz de lhe fazer cair o queixo? Eu não. E aqui terei que abrir mão momentaneamente da expectativa que obviamente desejamos depositar numa futura geração que tem potencial, lembrando que 12 meses não são suficientes para grandes provas. Assim: antes da crítica, precisamos de paciência e esperança.
Fechado esses parênteses, vou ser bem claro sobre o motivo maior de minha acidez: utilizar ferramentas, por vezes questionáveis, de gestão do terceiro setor ou de empresas para tocar gabinetes parlamentares pouco muda a situação dos PARLAMENTOS a ponto de falarmos sobre uma NOVA POLÍTICA. Legislativos são casas coletivas, políticas (sim! Isso é importante de dizer) e necessárias de serem pensados em sentido PLURAL, ou seja, o todo é infinitamente maior que a soma das partes. Assim, sofisticar entre quatro paredes mantêm as coisas quase no mesmo lugar. Algo como reformar um apartamento no mais escangalhado dos edifícios, o que no curto prazo será bom apenas da porta para dentro. Numeremos alguns pontos:
Aqui estão apenas alguns exemplos. Outros poderiam ser listados, e todos eles somados talvez ofertem aos menos atentos à política um sentimento de que efetivamente a inovação funciona a pleno vapor. A questão é entender se quem avalia tudo isso como revolucionário não tem uma visão estreita e limitada do que a política efetivamente exige como desafio, sobretudo em casas coletivas onde o sentido das palavras PARTIDO e PARLAMENTO precisam ser revisitadas no coletivo.
Assim, depois desse cargueiro de atitudes questionáveis que têm sido chamadas de “inovação”, confesso que mesmo sem ter simpatia ideológica pelo NOVO, é de lá que ao menos parece vir uma noção minimamente decente e razoável de PARTIDO POLÍTICO condizente com o que democraticamente pregam. A liderança da legenda na Câmara dos Deputados tem buscado se destacar com a criação de métricas, estabelecimento de objetivos claros para a bancada, instrumentos de transparência coletivos e coisas do tipo. Mas isso não são as criticadas ferramentas descritas acima? Sim, mas não dentro do gabinete, e sim sob a lógica de PARTIDO, elemento fundamental e essencial que efetivamente merece ser inovado em nome do fortalecimento do parlamento e da lógica de nosso desenho de democracia representativa.
Assim, se tais ferramentas de características mais gerenciais e, por vezes empresariais, darão certo teremos que esperar o tempo nos dizer, mas ao menos parece haver um mínimo compromisso com o PARTIDO. O NOVO saiu na frente aqui, restando saber se suas partes (deputados) entenderão e respeitarão isso tudo. Dessa forma, ainda temos muito o que evoluir, mas o simples compromisso de uma legenda em tentar se mostrar como partido é mais valioso que a pretensa sofisticação de mandatos que, isoladamente, estão mais preocupados em se dizer diferentes em meio ao que eles mesmos entendem como deprimente.
Na Câmara dos Deputados, onde cada ator isolado equivale à fração 1/513, tenho a lembrar que o peso final de gestos quixotescos será rigorosamente muito próximo de 0, e provavelmente, nessa toada, é isso que muitas dessas “novidades” acrescentarão às suas votações quando lhes perguntarem em 2022: no que efetivamente você INOVOU? O que CONQUISTOU? Onde está a NOVA POLÍTICA que me vendeu em 2018? A não ser que o eleitor continue, bombardeado por muito alarde e pelos próprios valores individualistas, acreditando que uma andorinha barulhenta criou em voo solo um verão ensolarado. Isso também é mais do mesmo, mas não vou aqui falar do quanto o eleitor também precisa ser parte dessa NOVA política.
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