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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

Ocaso e descaso com a democracia

É uma triste constatação, mas há algo fundamentalmente errado conosco - com nossas escolhas e instituições. A culpa não é dos outros, apenas. Há uma parcela significativa de omissão e equívocos que os democratas cometemos nos últimos anos.

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Por Vítor Oliveira
Atualização:

Sem entrar na onda do "instituições estão funcionando" ou de sua negação, esse aforismo torto que vez por outra nos suga em um pântano de anomia e postagens click bait em redes sociais, é necessário entender o porquê do desprezo pela democracia.

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De outro modo, por qual razão deixamos de enxergar legitimidade no outro e entramos nessa espiral destrutiva?

É impossível dissociarmos o que ocorre em nossos tempos das mudanças profundas na maneira como nos comunicamos, cada vez mais de forma dinâmica e virulenta, sem mediações de terceiros, mas, ao mesmo tempo, armados pelo anteparo selvagem das redes sociais, plataformas e mensagerias.

Outros analistas oferecem explicações voltadas para o desprezo das elites pela ascensão de classes anteriormente eliminadas das relações de consumo de bens e, principalmente, serviços. Poucas coisas ilustram isso como o incômodo do (ainda) ministro Paulo Guedes com as empregadas domésticas viajando para os parques temáticos da Disney.

Crime e Castigo

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Fernando Limongi, uma de nossas referências na ciência política, tem insistido que o impeachment de Dilma Rousseff representou a quebra do pacto que nossas elites políticas tinham, cujo amálgama era a inclusão social projetada desde a redemocratização.

E isto se dava por caminhos diferentes; seja por políticas públicas mais liberais, como o controle fiscal (e da inflação) e a transferência direta de renda (Bolsa Família), ou pelo fortalecimento do Estado em políticas como educação e saúde. Um caminho lento e confuso, mas coerente em seu núcleo.

Bolsonaro seria o que sobrou após a demolição da casinha democrática. O último rato a se manter em pé, cujos esquemas corruptos eram tão mesquinhos e provincianos que passavam ao largo do olho do furacão explorado ad nauseam pela Lava Jato.

Faz sentido, mas a questão parece se arrastar há mais tempo. O papel do Poder Legislativo foi, majoritariamente, o de criar pontes e possibilidades de vínculos entre elites políticas que divergiam. Ao mesmo tempo, o bombardeio.

Em algum momento, as instituições políticas - em especial, o Legislativo - perderam muito em sua capacidade de processar os conflitos políticos de modo pacífico. A facada em Bolsonaro, os linchamentos virtuais e incapacidade crônica de responder ao racismo são apenas alguns exemplos disso.

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Seria importante separar (a) os incentivos gerados pela estrutura do sistema político das (b) escolhas efetivas que os atores fizeram e fazem. E aqui entra uma discussão nada trivial sobre a racionalidade.

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Até que ponto dizer que Bolsonaro é irracional faz sentido? Acho que ele, assim como sua família e o núcleo mais tosco de seu governo, tem objetivos bastante racionais de maximização dos ganhos particulares ou mitigação dos riscos de serem presos.

Mas decisões racionais no âmbito individual podem levar a consequências estapafúrdias e contrárias aos próprios interesses desses indivíduos, quando olhamos se resultado no coletivo. Acho que é essa a chave.

Perdemos a capacidade, pela fragmentação dos partidos ou das próprias instituições, de gerar respostas coletivas aos problemas. Atomizados pela comunicação digital, isolados politicamente uns dos outros, o fascismo floresceu entre nós a passos largos.

Tentando trazer Hannah Arendt para nossa crise, acredito que as liberdades democráticas ganham sentido exatamente quando postas diante das diferenças, mas em um ambiente de pertencimento coletivo. É na dissolução da política e de seus mecanismos coletivos, portanto, que se encontra a chave para entender a crise.

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Nada mais simbólico desse processo que os nossos partidos, cuja grande inovação nos últimos anos foram estratégias de "rebranding", nada relativo à sua conexão com a sociedade. Se os partidos estão distantes da política fora do Parlamento, a consequência é o enfraquecimento do próprio Legislativo no longo prazo. E com ele, o edifício da democracia.

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