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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

O que precisamos saber antes da Reforma Administrativa?

É esperado para as próximas semanas o envio pelo Executivo da PEC da Reforma Administrativa. O serviço público no Brasil é um tema que suscita grande debate, muitas vezes com visões estereotipadas, diagnósticos incompletos e soluções simples e erráticas. Há alguns estudos interessantes recentes para começarmos a entender a complexidade do tema. Um deles é o Atlas do Estado Brasileiro, promovido do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e que se transformou em portal de dados. Outro estudo interessante foi realizado pelo Banco Mundial no ano passado: Gestão de Pessoas no Setor Público: o que os dados dizem? A única ressalva a eles é que apesar de interessantes para análises globais eles não possuem dados mais detalhados que nos permitam entender a fundo as distorções e desigualdades entre carreiras.

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Por Lucas Ambrózio
Atualização:

Tratemos aqui de iluminar alguns poucos dados e posteriormente refletir sobre um ponto bem presente no debate atual. Há sim, inúmeras distorções e privilégios para algumas carreiras no serviço público brasileiro, mas é importante que comecemos a entender onde eles se concentram. É preciso desconstruir a imagem presente no imaginário popular e enfatizada em casos reportados pela imprensa de que servidor público seja alguém que trabalha pouco e ganha muito.

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Praticamente metade dos servidores públicos brasileiros são de apenas quatro categoriais: profissionais da educação básica (sobretudo professores), policiais, profissionais de enfermagem e profissionais da assistência social. É sabido que em tais funções os profissionais trabalham muito e em ambiente pouco confortável, recebem salários modestos e que o número de profissionais é insuficiente para atender às demandas da população. Tampouco os dados de remuneração nos permitem afirmar que nestas profissões há o pagamento de salários maiores do que os praticados na iniciativa privada, quando essa comparação é possível. Pelo contrário, na educação básica, setor mais expressivo no serviço público há diversas análises que relacionam a diferença de qualidade entre a rede pública e a privada às configurações e incentivos de carreiras de seus docentes.

O Poder Judiciário, que provavelmente terá seus servidores excluídos da PEC que será enviada ao Congresso, apresenta média salarial bastante alta. Embora apenas 3,2% dos servidores públicos pertençam a judiciário, a maioria deles possui salários superiores a 10.500 reais. 2,4% dos servidores pertencem ao legislativo, a maioria com salários superiores a 3.400 reais e 94,4% são servidores do executivo, a maioria com salários inferiores a 2.600 reais (dados de 2017 apresentados pelo IPEA).

São nestes pontos que reformas muitas vezes criadas com o discurso de combater desigualdades e privilégios acabam se transformando apenas em uma ação de corte de gastos, ao enfocar a base da pirâmide e preservar os interesses de elites com alto poder corporativo sobre os três Poderes. Um exemplo disso foi a reforma da previdência, que atenuou o peso para os militares, uma das categorias que tinham regras previdenciárias mais privilegiadas e mesmo dentro das forças armadas também enfocou os custos mais sobre as patentes inferiores, preservando interesses dos escalões superiores.

Outra nuance da desigualdade está entre os entes da federação. A maioria dos servidores públicos são servidores municipais (57,3%). Segundo o estudo supracitado do Banco Mundial, os servidores públicos municipais ganham em média salários inferiores aos praticados no mercado privado para profissionais de funções e escolaridade similares (diferencial salarial). Os maiores diferenciais (superiores a 100%) estão no serviço público federal (que representa 10% dos 11,37 milhões de servidores públicos brasileiros).

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Estabelecida esta nuance de desigualdade sobre alguns dos dados globais quantitativos do serviço público no Brasil, passemos a um exercício qualitativo, com o objetivo de mostrar como o debate é, por vezes, marcado por diagnósticos imprecisos e soluções simples e ineficazes. O exemplo que destacamos é o debate entorno da produtividade e motivação dos servidores públicos. Iniciativas para aumentar a produtividade e proatividade dos servidores, em geral, erram em seu diagnóstico. Engana-se quem acredita que a raiz do problema seja a estabilidade, mas sim os incentivos ao corporativismo reativo e à falta de transparência. No mundo há países com alta estabilidade no serviço público e outros com baixa estabilidade e isso não afeta, necessariamente, o desempenho. E mesmo hoje no Brasil não há estabilidade para servidores públicos com menos de três anos (período de estágio probatório), o que não tem evitado que muitos servidores sem aptidão ou mesmo ethos público sejam aprovados nas avaliações em serviço e permaneçam no serviço público.

São exemplos de algumas soluções simples e erradas sobre este tema: a instituição do fim da estabilidade ou a demissão linear de servidores (em quantidade definida). Por outro lado, estudos nacionais e internacionais sobre o tema nos mostram que aumentar a transparência e o controle social sobre o serviço público, aproximando os servidores públicos dos cidadãos são ações bem oportunas.

O controle sobre os servidores públicos aumentou bastante nas últimas décadas, porém muito mais por parte dos órgãos de controle como Ministério Público e Tribunais de Contas do que pela sociedade de forma direta. O feedback da população é crucial para orientar a atuação dos agentes públicos. Quando o servidor enxerga que sua atuação tem algum impacto na vida das pessoas tende a ser mais motivado e engajado no atendimento e na resolução de problemas. Por outro lado, a interação entre eles aumentará a demanda por resultados e abrirá espaços para iniciativas de participação social e coprodução de serviços públicos, aumentando a produtividade e a qualidade das políticas. Neste sentido o fortalecimento das ouvidorias e dos conselhos de controle social são ótimas iniciativas, por exemplo. Ou seja, quanto mais próxima for a relação entre servidores públicos e cidadãos e quanto mais estes cobrarem e colaborarem, melhor será o desempenho do serviço público. Esse rol de ações além de não representar, necessariamente, aumento de despesas torna o Estado mais eficiente, aumenta a qualidade das políticas públicas e fortalece de forma genuína a democracia.

 

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