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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

O governo, o indivíduo e o partido (além do rito de impeachment)

Esta semana já entrou para a história política brasileira. Começamos a semana com as manifestações de domingo, passamos pela delação premiada do senador Delcídio do Amaral, a divulgação da gravação envolvendo o ministro Aloísio Mercadante, a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, o grampo telefônico de Lula e Dilma, a decisão do STF por manter o rito de impeachment igual ao que levou ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor, novas manifestações e, ontem, a posse de Lula, a suspenção da posse e a instalação da Comissão Especial que vai analisar o pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. O que vai acontecer hoje e nos próximos dias ninguém parece saber. No campo do que já se sabe, questiono se já não passou da hora do PT escolher o que quer tentar salvar: o governo (terminar o mandato), o ex-presidente Lula (mantê-lo como opção viável para 2018) ou o partido (reformá-lo e trabalhar no longo prazo para recuperar o prestígio perdido).

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Por Patrick Silva
Atualização:

Do ponto de vista prático, a missão mais complexa parece ser a primeira. É difícil acreditar que Lula (caso consiga assumir a Casa Civil) será capaz de aglutinar a base aliada a fim barrar o processo de impeachment. Três razões ajudam a sustentar este argumento. Primeiro, como bem colocou Humberto Dantas no seu texto de ontem, Lula falou demais. Os grampos revelaram o que Lula pensa sobre os presidentes da Câmara e do Senado - atores chave no processo de coordenação e articulação política. Segundo, o STF, ao definir o rito de impeachment, estabeleceu que todas as decisões ao longo do processo devem ser feitas por voto aberto. No momento, é difícil supor que muitos deputados e senadores votarão contra o processo de impeachment sabendo que terão seus nomes divulgados pela mídia. Ademais, tem-se a inabilidade (por falta de palavra melhor) do governo em traçar estratégias e agir. A lista de trapalhadas é grande. Delcídio e Mercante foram pegos em gravações falando o que não deveriam. Dilma nomeou um novo ministro do PMDB dias após o partido proibir que seus membros assumam cargos no Executivo Federal. Ou seja, afrontou o partido que pode representar sua salvação ou sua pá de cal. A própria nomeação de Lula parece ser politicamente equivocada. Se Lula era realmente a melhor escolha para ocupar a Casa Civil, por que nomeá-lo só agora? O que o fez mudar de ideia e aceitar o cargo? Neste cenário, salvar o governo parece missão improvável, não impossível, e dependerá de uma estratégia bem traçada que a sorte dos acontecimentos mude um pouco.

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A segunda possibilidade, salvar Lula, parece mais atrativa. É certo que Lula mantém um eleitorado cativo que até mesmo o PT possivelmente não conta. A rejeição a Lula não é nacional, pelo contrário, é concentrada em setores da população. A inexistência de um projeto político alternativo também ajuda Lula. O discurso de "fora Lula, fora Dilma e fora PT" é vazio, como todos que ventilaram desde as manifestações de julho de 2013, e não apresenta uma proposta política alternativa que possa convencer os "não convertidos" de que é melhor ficar sem Lula e o PT. Limpar o Brasil da corrupção é mais do que uma pauta justa, mas, para aqueles que passaram a ter o que comer depois dos anos Lula, talvez não seja o suficiente. O problema em optar por salvar Lula é ter de contar com a sorte e torcer para que a sangria se estanque. Nas circunstâncias atuais, nada garante que isso acontecerá e que a prisão de Lula não será uma das próximas cenas da Lava Jato.

Resta, portanto, cotejar a última alternativa: salvar o partido. Que o PT não é mais o partido fundado na década de 1980 todos sabemos. Na última década e meia, observamos o partido caminhar para o centro do espectro político - como todo partido que pretende vencer eleições, aliás - e fazer parcerias duvidosas com antigos inimigos: Maluf, Kassab, Sarney, só para citar alguns. Tais mudanças o fizeram sofrer com a debandada de antigos quadros que não aceitaram o projeto do "novo" PT. O processo do Mensalão fez sua parte ao inviabilizar eleitoralmente a parte do quadro do partido que não se desligou. Como cereja do bolo, também viu sua reputação de partido ilibado ruir.Não há dúvidas de que hoje as figuras do PT e de Lula se confundem. Mas talvez seja a hora de tentar separá-las, retomar uma agenda deixada de lado e tentar reconquistar a confiança do eleitorado pouco a pouco. Não é possível, nem saudável, para o PT imaginar que os sucessos eleitorais observados na última década se repetirão tão cedo. Salvar o partido é se comprometer em mudar e expurgar o que precisar. Não tentar usar factoides e argumentos de que é perseguido. Não agir pensando em acudir indivíduos, por mais importante que eles sejam, mas em salvar uma instituição.

Nas circunstâncias atuais, é pouco provável que nos próximos dias e semanas não tenhamos acesso a mais informações negativas relacionadas à cúpula do governo. Independentemente da legalidade, parcialidade e (por que não?) temeridade das ações do Judiciário que levam a tais novidades, o conteúdo exposto é o que importa e o que continuará importando. O estrago político está feito e continuará a estar. Cabe agora ao PT decidir o que quer fazer. Não existe saída fácil, talvez nem exista saída. Parafraseando Lula, talvez nunca antes na história deste país uma vitória eleitoral tenha custado tão caro.

Em tempo, sobre o rito de impeachment

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Ontem foi instalada a Comissão Especial que avaliará o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O rito foi bastante discutido nos últimos dias e no final do ano passado, mas dadas as circunstâncias, cabe recapitular as fases do processo estabelecidas na Lei nº1079/1950 (Lei do Impeachment), pela Constituição Federal e pelo STF.

Observação importante: o STF decidiu que todas as votações devem ser nominais. Portanto, não secretas (DJe nº43/2016, p.61) e optou por manter as regras estabelecidas para o caso Collor.

1º Fase - Câmara dos Deputados (denúncia)

  1. A) Acolhimento do Pedido -> Etapa concluída 02/12/2015

  • Cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados decidir pelo acolhimento do pedido de impeachment para dar início ao processo.

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  1. B) Instalação da Comissão Especial -> Etapa concluída 17/03/2016

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  • Lido o pedido, é instalada uma Comissão Especial composta proporcionalmente por todos os partidos representados na Câmara dos Deputados. O STF definiu que os membros da Comissão devem ser indicados pelos partidos e que não pode existir chapa alternativa. A justificativa apresentada foi a de que é preciso assegurar a representação de todos os partidos ou blocos partidários (DJe nº43/2016, p.61). A votação da composição serve apenas para ratificar a lista.

  1. C) Trabalhos na Comissão Especial ->Etapa atual

  • A Comissão terá até 48h para se reunir e, depois, eleger seu presidente e relator em até 10 dias.
  • O acusado terá até 10 sessões do Plenário da Câmara para se defender (DJe nº43/2016, p.61)
  • A Comissão tem até 5 sessões para realizar votação sobre o parecer.

 

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  1. D) Plenário da Câmara

  • Após 48h, o parecer é lido e incluído na ordem do dia da Câmara dos Deputados.
  • A Câmara dos Deputados vota pela admissibilidade do parecer. É preciso que 2/3 (maioria qualificada) dos deputados votem de modo favorável ao pedido de impeachment para ele prosseguir para o Senado.

2º Fase - Senado Federal (Acolhimento da Denúncia)

  1. A) Plenário:

  • A Mesa do Senado recebe e faz a leitura do pedido. O STF garantiu ao Senado a prerrogativa de decidir se acata ou não o pedido. Como não há previsão legal sobre o processo de acolhimento, os ministros do STF decidiram que os procedimentos a serem adotados serão os previstos na Lei nº1079/1950 referentes ao julgamento de ministros do STF (DJe nº43/2016, p.61). Deste modo, após a leitura é criada uma nova Comissão Especial.

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  1. B) Trabalhos na Comissão Especial

  • A Comissão elabora um parecer no prazo de 10 dias.

  1. C) Plenário

  • O parecer será submetido a uma única discussão e à votação. Para prosseguir, o pedido deve receber a maioria simples dos votos, com presença da maioria absoluta (DJe nº43/2016, p.61).
  • O acusado é afastado do cargo.

3º Fase - Senado Federal (Julgamento)

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  1. A) Plenário

  • É marcado o julgamento que será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
  • O acusado poderá comparecer para se defender ou mandar seus advogados.
  • Será realizado o julgamento. Ocorre a condenação, caso 2/3 dos senadores votem de maneira favorável ao impeachment.
  • O condenado é destituído do cargo e é impossibilitado de assumir cargo público por oito anos.