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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

O caso Amazônia: como as declarações do Executivo ecoam no Legislativo?

Há um consenso mundial a respeito da importância de se preservar a Floresta Amazônica, cuja maior parte se situa em território brasileiro. Inevitavelmente, a atenção internacional em relação a esta matéria aumentou desde que Bolsonaro assumiu a Presidência - membros do seu Governo têm insistido em declarações polêmicas, ao citar, por exemplo, o Fundo Amazônia e a atuação de ONGs na região. Essa situação foi agravada pelo aumento de 70% nos focos de incêndio em florestas brasileiras, sendo que mais da metade, segundo dados do INPE, ocorreu no território amazônico. Em seu recente discurso na Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro dedicou parte significativa para tratar da Amazônia brasileira - o pronunciamento, no mínimo, dividiu opiniões sobre a estratégia ambiental adotada em seu Governo.

Por Carolina Corrêa
Atualização:

Se o Executivo brasileiro sinaliza com políticas ambientais consideradas negativas no plano internacional, com projetos inconsistentes e com a inexistência de plano integrado de desenvolvimento sustentável, cabe ao Legislativo a tarefa institucional de restabelecimento do equilíbrio e da racionalidade no processo político nacional. Conforme já salientado aqui, o Poder Legislativo é uma peça fundamental no que diz respeito às políticas públicas ambientais - soma-se a isso o fato de o Legislativo ter como uma de suas funções a fiscalização do Poder Executivo. Em alguma medida, pode-se dizer que há sinais de empenho dos parlamentares no enfrentamento das questões ambientais; dentro de suas atribuições, estes atores políticos procuram reagir às decisões e declarações oriundas da Presidência da República.

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Alguns exemplos ilustram essa atuação legislativa. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4387/2019, do deputado Capitão Alberto Neto (PRB-AM), que visa a dar amparo legal ao Fundo Amazônia, ressaltando a necessidade de sua instituição por Lei. Seu teor, de modo geral, tem o mérito de fazer desse plano de captação de doações uma política de Estado, imune às oscilações no governo.

Criado a partir do Decreto 6.527/2008, para receber doações destinadas a ações de conservação e combate ao desmatamento na floresta, o Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES. Ter sido criado por Decreto compromete a segurança jurídica dos seus contratos, já que a sua manutenção fica comprometida a cada troca de governo. Essa instabilidade ficou bastante clara quando o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que pretendia assinar um novo Decreto para alterar as normas do Fundo. Sua pretensão era permitir que esses recursos pudessem ser utilizados para outros fins, como o pagamento de indenizações a donos de propriedades privadas que vivem em áreas de Unidade de Conservação - o que, para ele, facilitaria a regularização fundiária. Essa e outras declarações fizeram com que a Alemanha e a Noruega, os maiores contribuintes do Fundo, bloqueassem suas doações.

Em reação, alguns deputados, como Nilto Tatto (PT-SP) e Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), apresentaram requerimentos solicitando que o ministro Salles comparecesse em audiências públicas de Comissões Permanentes a fim de prestar esclarecimentos sobre as possíveis alterações no Fundo Amazônia. O ministro fez-se presente em uma audiência pública conjunta, da CMADS e da CINDRA, no dia 07 de agosto. Recentemente, a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) também promoveu audiências públicas sobre temas ambientais que reverberam no debate público - no dia 18 de setembro, debateu a situação do Fundo Amazônia; no dia 25 de setembro, recebeu convidados para abordar o monitoramento dos desmatamentos e queimadas.

Em setembro, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Externa destinada a avaliar e monitorar as políticas públicas ambientais, a qualidade da sua execução e seus impactos socioeconômicos. Seu intuito é propor políticas para a integração do meio ambiente com a economia nacional, no âmbito dos Ministérios do Meio Ambiente, da Economia, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Relações Exteriores. O Coordenador da Comissão é o deputado Daniel Coelho (CIDADANIA/PE) e sua relatora é a deputada Tábata Amaral (PDT-SP).

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No Senado, tramitam dois pedidos de criação de CPI cujo foco é a região amazônica. No dia 27 de agosto, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, anunciou ter protocolado o pedido de CPI para apurar o desmatamento, as queimadas e os motivos que levaram o Governo a perder os recursos de países que doavam ao Fundo Amazônia - vale lembrar que, no dia 22 de agosto, a bancada da Rede, partido do Senador Randolfe, protocolou um pedido de impeachment no STF contra o ministro Ricardo Salles.No dia 17 de setembro, o Senador Plínio Valério (PSDB-AM) solicitou, em Plenário, a instalação de uma CPI para investigar a atuação de ONGs na Amazônia. O Senador afirmou que muitas instituições arrecadam dinheiro no exterior para investir na preservação da floresta, mas, na verdade, utilizam as doações para outros fins. Em princípio, trata-se de uma reação do Governo às iniciativas do Legislativo em defesa de políticas ambientais consistentes e sustentáveis, pois o discurso desse Senador vai ao encontro justamente daquilo que tem sido dito por Bolsonaro.

Como mostram esses exemplos - apenas os principais e mais recentes - o Legislativo brasileiro vem atuando de duas maneiras enquanto componente crucial do sistema de pesos e contrapesos na questão ambiental: (1) busca dialogar com o Poder Executivo, especialmente com o Ministério do Meio Ambiente, a respeito das propostas e declarações que têm sido apresentadas pelo Governo, na tentativa de contribuir para a formulação de um plano de política ambiental mais sólido; e (2) procura respostas, dentro do debate público, para os diferentes questionamentos sobre a questão ambiental, advindos do Governo, da oposição, de entidades ambientalistas e da população em geral. Em meio à crise política que já dura alguns anos e às trepidações sofridas pela arquitetura institucional da democracia brasileira nesse período, temos indicações de que o Poder Legislativo é um espaço crucial de debate sobre as diferentes visões a respeito do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Portanto, as falas inconsistentes do Executivo, pelo menos nesse caso, ecoam com algum grau de racionalidade no Legislativo.