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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

O Bolsonarismo nos Parlamentos estaduais: a agenda ultraconservadora da Assembleia Legislativa de Rondônia

*Texto escrito em parceria com as pesquisadoras Melissa Volpato Curi, advogada, mestra em Geociências pela Unicamp e doutora em Antropologia pela PUC-SP; E Jamila Martini, bacharel em Direito pelo UniCEUB e graduanda em Ciência Política pela UnB.

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Por João Paulo Viana
Atualização:

 

Fundado no momento de desagregação do regime militar, o jovem estado de Rondônia acaba de completar quarenta anos. Enquanto organização política, Rondônia vivenciou sua formação sob dois momentos constitutivos de autoritarismo. Foi assim em 1943, durante o Estado Novo varguista, na fundação do antigo Território Federal do Guaporé, denominado, em 1956, como Território Federal de Rondônia, liderado pelo Coronel do Exército, Aluízio Ferreira (PSD-PTB), aliado de Vargas, que viria a ser a grande liderança política da primeira fase territorial (1943-1964). E, posteriormente, no momento de criação da unidade federal com status de estado, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1981, instalado logo depois em janeiro de 1982, sob a liderança do então presidente general João Batista Figueiredo, o ministro do interior, Mário Andreazza, e o coronel Jorge Teixeira (PDS). Este último, uma espécie de "founding father local", último governador do antigo território e o primeiro mandatário do estado.

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Área de fronteira, formada sob forte influência autoritária e notória herança militarista, terra do agronegócio, importante produtor de soja, café, cacau, arroz, mandioca, além de um dos maiores rebanhos entre os estados brasileiros, Rondônia também possui, desde a década de 1980, proporcionalmente, um dos mais numerosos eleitorados evangélicos do País. No contexto desse conjunto de características que poderíamos denominar como uma "combinação explosiva" para o ultraconservadorismo que marca o eleitorado rondoniense, o estado concedeu a Jair Bolsonaro, ao lado de Acre e Roraima, o segundo maior eleitorado na eleição de 2018, atrás apenas de Santa Catarina.

Na disputa ao Executivo estadual, na esteira da "onda bolsonarista", que caracterizou as eleições gerais brasileiras daquele ano, Rondônia elegeu um coronel da Polícia Militar, Marcos Rocha, outsider da política, então filiado ao PSL. No que se refere à competição eleitoral rondoniense, ainda que se trate, desde a década de 1990, de um subsistema partidário aberto e plural, caracterizado por alto grau de competitividade, principalmente nas eleições proporcionais, a representação política na Assembleia Legislativa (ALE-RO) e Câmara dos Deputados é tradicionalmente dominada por partidos conservadores.

Assim, cumpre mencionar que há alguns dias o presidente Jair Bolsonaro teceu elogios públicos ao Parlamento estadual rondoniense. Ao tratar do passaporte da vacina, medida de grande relevância aprovada pela maioria dos Parlamentos estaduais brasileiros, o presidente afirmou que a Assembleia Legislativa de Rondônia estava de parabéns ao reprovar a matéria. De fato, a atual legislatura rondoniense possui uma forte consonância com a agenda política do governo federal.

Além do veto de exigência do passaporte de vacinação contra a Covid-19 para ocupar e permanecer em espaços públicos e privados (Lei 5.179/2021), os deputados estaduais de Rondônia também aprovaram outras medidas defendidas pela "bancada bolsonarista" no Congresso Nacional: proibiram o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas do estado, com previsão de sanções para as escolas e professores que desobedecerem (Lei 5.123/2021); vetaram a destruição de máquinas e equipamentos apreendidos em operações ambientais em Rondônia ((PL 1511/2021); e decidiram pela redução de áreas de reservas ambientais - Projeto de Lei Complementar (PLC) n0 104/2021, que extingue por completo o Parque Estadual Ilha das Flores, com 89.789 mil hectares, e PLC 105/2021, que reduz em 6.566 hectares da área proposta para a Reserva do Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Limoeiro.

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A discussão sobre a liberação de mineração e garimpo em terras indígenas também é uma pauta conhecida no estado, com projeto de regulamentação pelo Governo Federal e tentativas de implementação em Rondônia, a partir de legislações estaduais. Importante ressaltar que o Judiciário tem sido um ator de grande relevância diante dessa agenda retrógrada da ALE-RO. Projetos de Lei referentes à proibição da linguagem neutra e a diminuição das áreas de preservação ambiental foram considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, respectivamente.

Olhando para o processo histórico de formação do estado, especialmente para os aspectos socioambientais, percebemos que, de modo geral, a Assembleia Legislativa reproduz a ideia de uma ocupação e desenvolvimento que desconsidera a importância da conservação ambiental e da preservação das terras indígenas existentes no estado. Com isso, mais do que a constatação de um alinhamento com as propostas bolsonaristas, os projetos de lei aprovados colocam o estado na contramão do tão debatido e almejado desenvolvimento sustentável.

Não obstante os prejuízos socioambientais que as referidas propostas legislativas podem promover no estado, vale ainda a análise de que tais medidas colocam Rondônia em alinhamento com o lugar de pária que o país hoje ocupa no cenário internacional. Enquanto as pesquisas agropecuárias mais avançadas comprovam a possibilidade de aliar produção e conservação ambiental, demonstrando o valor econômico da floresta em pé, e estudos ambientais renomados reconhecem a relevância das áreas de preservação ambiental e das terras indígenas para a conservação da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas, a agenda ultraconservadora da ALE - RO não mede esforços para aprovar interesses econômicos imediatistas, que desconsideram questões ambientais e sociais fundamentais. Ações como estas são consideradas inaceitáveis no cenário de debates internacionais sobre sustentabilidade e, cada vez mais, rechaçadas por mercados consumidores internos e externos.

De mãos dados com o governo Bolsonaro, o estado não acompanha as tendências e necessidades mundiais de produção e conservação. Mais do que parar no tempo, corre o risco de andar para trás, para um tempo em que medidas autoritárias e políticas econômicas socioambientalmente degradantes eram confundidas com a ideia de progresso e desenvolvimento.

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