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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

Judiciário e escolhas políticas: entre O Iluminismo e O Iluminado

Não é à toa e nem aleatório o número de parlamentares em uma Casa Legislativa. O Brasil possui 594 parlamentares, divididos entre a Câmara dos Deputados (o que a literatura especializada denomina de câmara baixa, com 513 representantes da população, eleitos pelo sistema proporcional de lista aberta) e o Senado Federal (câmara alta, com 81 representantes dos Estados, eleitos pelo sistema majoritário simples). A título de comparação, o manual de Política Comparada de Daniele Caramani (Comparative Politics, publicado pela Universidade de Oxford), mostra que apenas na câmara baixa o Reino Unido tem 659 parlamentares, seguido pela Itália com 630 (em referendo datado de 21 de setembro de 2020, esse número passará a ser de 400 deputados [as]), Alemanha com 598, França (577), Turquia (550), Índia (545), Polônia (460), Rússia (450), EUA (435). A China tem 2.978 deputados(as). Como nesses países o número de habitantes é bem distinto, é preciso atentar para a relação representante por habitante.

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Por Leon Victor de Queiroz
Atualização:

A Índia tem um parlamentar para mais de 2,2 milhões de habitantes, de longe a que possui pouquíssimos parlamentares em função do tamanho de sua população que é superior a um bilhão de pessoas. A Suíça tem 1 parlamentar a cada 40 mil habitantes. O Reino Unido é um parlamentar a cada 95 mil, Alemanha é um(a) deputado(a) a cada 135 mil habitantes. No Brasil é um(a) deputado(a) a cada 378 mil habitantes, quase a taxa chinesa que é de 1 para cada 452 mil. Isso mostra que o Brasil está bem distante de países com indicadores de qualidade da democracia mais robustos como Suíça, França, etc. Os seus custos eu deixarei para outro debate.

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Ora, com 513 representantes na câmara baixa e 81 representantes na câmara alta, as decisões passam por um amplo e longo processo decisório, desde o protocolo de um projeto de lei até a sua aprovação final no parlamento, seguindo para a sanção ou veto (total ou parcial) do presidente da República. O número de parlamentares bem como o número de partidos faz com que um assunto seja extensamente debatido. O processo decisório é lento por natureza. Ninguém decide toda uma política ambiental ou tributária da noite para o dia. São vários dias de intensos debates. Até a posição das cadeiras tem uma razão de ser. No Reino Unido os parlamentares ficam de frente uns para os outros. Em algumas Casas Legislativas eles simplesmente ficam lado a lado de frente para o presidente da Casa. No Brasil, o formato é em arco, nem ficam frente a frente nem lado a lado. Tudo é pensado para fomentar o debate, discutir exaustivamente antes de decidir. Mas, tem crescido cada vez mais no Brasil decisões tomadas por uma pessoa só, tirando dos deputados, deputadas, senadores e senadoras a prerrogativa de discutir, debater e deliberar sobre a política.

Essas decisões monocráticas (uma única pessoa) têm sido tomadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal e por apenas um ou uma de seus (suas) onze ministros(as). A Constituição Federal de 1988, e suas antecessoras copiaram o modelo dos Estados Unidos, onde uma Suprema Corte formada por 9 membros toma decisões de natureza política. Entretanto, essas decisões são de natureza colegiada. É decisão da Corte. Não de uma maioria de 5 a 4, ou 6 a 3. A decisão é pronunciada como sendo da Corte. A cópia desse desenho institucional obedece a uma lógica de Path dependence theory (quando uma escolha apresentada é dependente de decisões ou escolhas feitas no passado). A Carta Magna de 1988 tão somente replicou a cópia elaborada dos Estados Unidos na primeira constituição republicana do Brasil, a de 1891, que contou com o intelecto de Rui Barbosa, entusiasta do desenho institucional americano. Copiaram o modelo, mas não copiaram os exemplos.

Como a lógica path dependence fez com que o modelo estadunidense viesse sendo copiado nas constituições subsequentes, foi o direito processual civil brasileiro que juntou ao processo constitucional o instituto da Decisão Monocrática (tão importante nos casos das tutelas de urgência, como negação de atendimento por planos de saúde, etc.). Assim, houve a junção da apreciação de questões políticas pela nossa Suprema Corte (STF) com a possibilidade de haver decisões que não passam pelo seu colegiado de 11 membros, caracterizando um verdadeiro by-pass institucional, ou seja, um só ministro pode decidir no lugar dos demais (temporariamente, e nem vou entrar nos casos em que uma liminar passa mais de 10 anos para ser julgada pelo Plenário).

Há juristas que se percebem como iluministas, onde o Direito é capaz de resolver todas as mazelas, basta uma lei, ou melhor, uma liminar para que os problemas se resolvam. Esse iluminismo acredita combater as trevas das escolhas políticas mal feitas. E aí nasce o verdadeiro problema: escolhas políticas devem ser respeitadas, mesmo que você não concorde com elas. É verdade que essas escolhas devem carregar carga de legitimidade, obedecer ao devido processo legislativo, sendo exaustivamente debatidas e discutidas com a população, sociedade civil, etc., devem seguir os preceitos constitucionais, não apenas os dispositivos, mas também seus princípios (que também são normas) seguindo uma hermenêutica clara, objetiva e coerente. Caso contrário, não estamos falando de iluministas, mas de O Iluminado (romance escrito por Stephen King em 1977, transformado em filme em 1980 por Stanley Kubrick e Diane Johnson).

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