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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

Jucá e Lula

Em seu primeiro fim de semana como presidente interino, Michel Temer foi entrevistado por Sônia Bridi, jornalista da Rede Globo. Em certo momento da entrevista, Bridi indagou Temer sobre seu Ministério, especificamente sobre sua relação com Romero Jucá. Reproduzo o trecho da pergunta e da resposta do presidente à jornalista:

Por Patrick Silva
Atualização:

Sônia Bridi: Apesar das críticas durante a composição do seu ministério, o senhor também nomeou um ministro investigado na Operação Lava Jato, o ministro Romero Jucá. Se ele se tornar réu, ele não terá uma situação semelhante à do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha? O senhor tomará a atitude de afastá-lo também?

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Michel Temer: Você sabe que eu sou muito atento às instituições. E, quando você fala em inquérito, você está falando em inquirição, em indagação, em investigação. Portanto, você disse bem, ele ainda não é réu. Primeiro ponto. Segundo ponto. O Jucá é uma figura, permita-me o elogio, ele é uma figura de uma competência administrativa extraordinária. Sobre o foco econômico, penso eu, que ninguém conhece tão bem o orçamento e as razões orçamentárias como ele. Primeiro lugar. Segundo lugar: tem uma capacidade de articulação política que é fundamental numa democracia. Até não é sem razão, já disse a ele, que ele foi líder de governo de três governos. E hoje me ajuda enormemente na tarefa de governar o país. E terceiro, eu espero, pelo menos ele tem me afirmado com absoluta tranquilidade, que os dados que chegam aos ouvidos dele é [sic] de que, quando alguém diz alguma coisa, diz por ouvir dizer. Então, nós não temos que pensar porque a pessoa é investigada que ela está, digamos assim, com uma espécie de morte civil. Não pode mais fazer nada no país, não é? [1]

Se duas semanas atrás a resposta do presidente interino já podia causar mal estar, um dia após a Folha de São Paulo divulgar o conteúdo dos áudios de conversas entre Romero Jucá e Sérgio Machado é certo que a resposta deveria, ao menos, constrangê-lo. Ainda mais se consideramos as semelhanças que a situação guarda com a nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil. Vejamos.

Pouco mais de dois meses atrás, no dia 16 de março, a então presidente Dilma Rousseff nomeara o ex-presidente Lula para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil. Lula, que poucos dias antes havia sido levado a interrogatório por meio de uma ação coercitiva, tornou-se, possivelmente, a pessoa que por menos tempo exerceu o cargo de ministro de um governo em razão de múltiplas intervenções do Poder Judiciário.

Lula, tal como Jucá, também não era (e ainda não é) réu da operação Lava Jato. Sua nomeação para a Casa Civil fora vista como uma forma de lhe garantir foro privilegiado; situação diferente da de Jucá, uma vez que ele é senador da república e já conta com este tipo de privilégio. Contudo, além de Jucá, Temer nomeou outro ministro investigado na Lava Jato, Henrique Eduardo Alves, que não conta com foro privilegiado.

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O fato de Temer ter nomeado dois nomes investigados e que apenas um deles já possuía foro privilegiado é útil para examinarmos algo que na ciência é conhecido como contrafatual. Em poucas palavras, contrafatual é uma situação hipotética em que analisamos o que aconteceria se apenas uma variável fosse modificada. No caso, a situação de interesse é "o que aconteceria se Jucá não tivesse foro privilegiado? Temer o teria nomeado? O Judiciário teria agido?". Em razão da existência da nomeação de Alves, podemos afirmar: nada mudaria. Temer não mudaria seu comportamento e nomearia uma pessoa investigada. Assim como Dilma fez ao nomear Lula. Ademais, o Judiciário também não impediria sua posse. Segundo ponto importante a indagar são as qualidades de Jucá. De acordo com o presidente interino, Jucá é a pessoa que mais bem conhece o orçamento. A despeito das qualidades de Jucá, é improvável que não exista um funcionário de carreira do Ministério do Planejamento que conheça o orçamentário tão bem quanto o agora ministro licenciado, ou até mesmo melhor. Por mais que Jucá compreenda o orçamento, não é possível que um político, ainda que formado em economia, entenda mais do que técnicos que trabalham com o orçamento no dia-a-dia ao longo de diferentes governos. Neste ponto, não há como estabelecer paralelo com a nomeação de Lula para a Casa Civil, portanto, passamos ao próximo: o conhecimento político de Jucá e Lula.

De acordo com Temer, Jucá o ajudava a governar o país, especificamente, na articulação política. Sua expertise seria produto de anos como líder de três governos, a saber: Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff (até 2012). Dilma tinha os mesmos argumentos para nomear Lula. Independentemente de qualquer crítica que possa ser feita ao ex-presidente, um fato é certo: Lula conhece a classe política e sabe como ninguém gerir uma coalizão de governo. Assim como Jucá, Lula sabe como negociar e articular acordos. Se suas tentativas de salvar o governo Dilma Rousseff não surtiram efeitos, foram mais por fatores externos (por exemplo, o telefone e a delação de Delcídio) à sua capacidade de fazer política. Um adendo deve ser feito sobre este ponto. Dilma não compartilha esta característica presente em Lula e Jucá, porém Temer é conhecido por sua habilidade política. Deste modo, cabe questionar: Jucá era mesmo tão necessário para articular e ajudá-lo a governar?

Por fim, as suspeitas que rondam os nomes. Temer, ao justificar sua escolha, afirmou que Jucá garantiu que não há evidências concretas ligando seu nome à Lava Jato. Mesmo ontem após a divulgação dos áudios, Jucá continua afirmando que não tem o que temer e que a gravação não pode ser desvirtuada com a finalidade de afetar o governo. Lula, mesmo depois da condução coercitiva e da divulgação do fatídico telefonema, afirmou que não existiam provas sobre seu envolvimento e que o uso do grampo foi político. Ou seja, ambos negaram e afirmam que a gravação tinha finalidade desestabilizar o governo.

Esperar que Jucá ou Lula fizessem declarações diferentes das realizadas, ou mesmo que Dilma e Temer agissem de modo diferente do que fizeram, seria ingenuidade. Porém, questionar por que Jucá (e Alves) não foi impedido pelo Judiciário de assumir a cadeira de ministro não é. Será que não houve um só pedido de impedimento à posse de Jucá feito por um cidadão comum? A decisão de Temer não merecia o mesmo tratamento que o dado à escolha de Dilma? Independentemente de preferências políticas, não é possível aceitar que certas decisões sejam tomadas de maneira parcial. É óbvio que indivíduos, sejam eles políticos, juristas ou cidadãos comuns, possuem suas preferências políticas e são informados por elas. Todavia, é essencial reconhecer quando aplicamos critérios diferentes para situações semelhantes, para que não busquemos nossos ideais a qualquer preço. Em tempos em que o objetivo passa a ser o de limpar a política, não é possível aceitar que a limpeza seja construída por cima de um aterro sanitário.

[1] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2016/05/michel-temer-diz-vai-demitir-ministros-que-cometerem-irregularidades.html

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