Certamente, a referida Emenda Constitucional, aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo, é o caso mais impactante e simbólico. Além do impacto estimado de quase 1 bilhão de reais em quatro anos, esta emenda tem estimulado movimentos similares em outros Estados e em governos municipais. Ela também é simbólica do corporativismo das carreiras do serviço público aliado à desorientação e a falta de projetos de Estado que atinge os partidos e suas lideranças. Uma das carreiras que mais pressionou pela elevação do teto foi a de auditores fiscais, justamente o corpo técnico que consegue ter a melhor percepção sobre a dificuldade fiscal enfrentada pelo Estado e que é responsável por zelar pela sustentabilidade financeira das despesas honradas pelo tesouro.
Na arena legislativa, a Emenda Constitucional foi aprovada com votos de deputados de praticamente todos os partidos da casa (da direita à esquerda). Analisando a posição de alguns dos partidos mais institucionalizados e mais programáticos, é muito incoerente que parlamentares de partidos como PSDB, que tem buscado por décadas consolidar sua imagem de firme defensor do equilíbrio fiscal, votem pela elevação do teto remuneratório. Do outro lado, também é incoerente que partidos como PT e PSOL, comprometidos com a expansão do papel do Estado e dos serviços públicos, defendam a medida, que tornará o Estado mais caro, sem nenhum impacto sob a qualidade ou ampliação de serviços, além de acentuar desigualdades de renda dentro do funcionalismo.
Medidas como estas têm tornado o serviço público no Brasil caro. Repare que não se trata de falar em tamanho ou inchaço do Estado. A despesa de pessoal é a maior das despesas orçamentárias de qualquer governo; portanto, quando o Estado paga aos seus trabalhadores muito mais do que a prática de mercado, os recursos disponíveis que restam para ampliar a oferta de serviços públicos são menores. E este dilema é ainda mais perverso em um país em desenvolvimento e com profundas desigualdades.
Embora não seja uma prática majoritária na gestão pública brasileira, há uma série de experiências eficazes, e com excelente custo benefício, implementadas em diversos entes governamentais de políticas públicas. Momentos de crise devem ser aproveitados como janela de oportunidades para aperfeiçoar as políticas, acelerar aprendizados e melhorar a qualidade do gasto público. Infelizmente, a agenda legislativa recente não tem aproveitado as oportunidades de aperfeiçoamento geradas pelas reflexões decorrentes da crise fiscal e da crise política.
A consequência mais imediata, que carece de maiores estudos e debates, é um caminho desenfreado e "quase inevitável" para modalidades alternativas de prestação dos serviços públicos, seja privatizando ativos, contratualizando a prestação de serviços públicos, por intermédio de Organizações Sociais, ou mesmo terceirizando atividades e funções. De certa forma, estas modalidades podem melhorar a qualidade de serviços ou mesmo torná-los mais eficientes, com ressalvas a se analisar.
Há distintos casos que irão requerer outros arranjos ou mesmo algum tipo de esforço adicional para melhoria de desempenho das organizações estatais já instituídas. É preciso colocar estas coisas às claras e fomentar o debate entre Estado e sociedade, mesmo sob o céu de nuvens carregadas que pairam sobre nossas instituições políticas.