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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

A Democracia da Mediocridade

Uma recente pesquisa divulgada mostrou que 74% da população brasileira é contrária ao financiamento da campanha eleitoral por empresas privadas. Essa pesquisa serviu para críticos demonstrarem como a Câmara está em dissonância com a vontade do povo ao votar a legalidade dessa ação. No entanto, há alguns dias, alguns deputados usaram de uma pesquisa onde 87% dos entrevistados afirmaram ser a favor da redução da maioridade penal para justificar seus votos. Onde está a verdade? Os representantes devem votar em consonância com os representados? Bom, na democracia representativa em seu sentido puro o povo diretamente não toma nenhuma decisão. Os representantes eleitos detêm essa prerrogativa, sendo essa a principal característica do sistema: as opiniões, votos e decisões têm certa autonomia em relação aos eleitores - ainda que saibamos que essa autonomia é condicionada pelo desejo de ser reeleito nas próximas eleições, de modo que não parece aconselhável dispor totalmente dela. Isso porque a democracia representativa é contrária ao mandato imperativo.

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Por Araré Carvalho
Atualização:

Disso se tira que os representantes não precisam concordar sempre com seus eleitores, nem tomar suas decisões pautadas na vontade dos representados, ainda que eleitos para representá-los (do mesmo modo que é garantido aos eleitores total direito de manifestar suas opiniões, discordando ou não da opinião dos governantes). Essa autonomia é requerida ou esquecida na mesma medida dos interesses dos deputados sobre o tema em questão. Sem desprezar a importância dessa autonomia, uma vez que na maioria dos temas debatidos grande parte do eleitorado passa à margem de uma discussão mais aprofundada, o problema é o risco de cair na Teoria das Elites, ao ignorar completamente o que a população diz. Teoria que atribui a uma elite governar no lugar das massas que, por conta das condições materiais e históricas, estariam inaptas a escolherem o que é melhor para os rumos políticos. Para fugirmos dessa hipótese é necessário que a democracia representativa efetive um elemento central desse modelo: a promoção de um Debate Público sobre os temas em discussão na Câmara. E é aí que falha feio nossa democracia.

O debate não é promovido nos espaços públicos e democráticos da nossa sociedade. E, quando é, é feito mal e porcamente, baseado em clichês, estereótipos e palavras de ordem. Voltemos às últimas votações a respeito da maioridade penal. Qualquer pessoa que assistiu ao debate que antecedeu a definição parcial deve ter percebido que não temos uma democracia das "elites" (no sentido intelectual da palavra), muito menos um modelo representativo de fato. Os argumentos de quem assumiu a tribuna foram uma sequência de "lugares comuns", desprezo por dados científicos, enaltecimento do "cidadão de bem" e ódio. O debate sério não se dá nem no plano da Câmara dos Deputados; o que esperar então dos debates em espaços públicos? Aumenta-se o ódio, trocam-se cérebros por fígados e o impossível diálogo se instaura. Invariavelmente esquerda e direita se arvoram como porta voz dos anseios da população. População que politicamente é um ornitorrinco. Ora extremamente conservadora, ora bastante progressista. A direita trabalha a democracia de maneira elitista, se dispondo a dirigir essa massa desqualificada de cima pra baixo. Por outro lado, a esquerda se isola em redomas acadêmicas de autovalidação, vendo a população mais pobre só como objeto de retórica e se assustando com as idiossincrasias e contradições reais desta, tornando-se incapaz de dialogar dentro desse cenário. Enquanto isso, não temos nem uma democracia das elites, nem uma democracia representativa. Seguimos com a democracia da mediocridade.

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