Foto do(a) blog

A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

A CPI que acabou em vacina

*Texto de autoria de Francisco Silva, Hector Vieira, Leonardo Moscatelli e Marcela Chiarelli, pós-graduandos em Ciência Política pela FESP-SP com material construído na disciplina de Análise Política.

PUBLICIDADE

Por Humberto Dantas
Atualização:

"Uma comparação de relatórios oficiais do governo sugere que os totalmente vacinados estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida muito mais rápido que o previsto." A já famigerada frase foi dita pelo presidente Jair Bolsonaro cinco dias antes da aprovação do relatório final da CPI da Covid. No dia seguinte à aprovação, nada parecia ter mudado na cabeça de Bolsonaro, uma vez que lá estava ele defendendo o engodo do tratamento precoce. Portanto, não é difícil imaginar que, se dependêssemos exclusivamente do governo executivo federal, um ano após a eclosão da pandemia, ainda estaríamos servindo de cobaia para medicamentos que combatem protozoários em vez de vírus. E o que, então, mudou o nosso destino? Uma CPI. 

PUBLICIDADE

Famosas por servirem como  instrumentos de pressão política, como nos casos dos mandatos de Collor, Lula e Dilma, a CPI da Covid recuperou a estima desse recurso fundamental da democracia, o qual acaba, invariavelmente, reduzido a um forno à lenha para a opinião pública, por sempre "acabar em pizza" - ou, em outras palavras, não produzir nenhum efeito legal relevante. Comissões Parlamentares de Inquérito são prerrogativas exclusivas do Poder Legislativo e compõem o rol de pesos e contrapesos fundamentais para a democracia liberal. Por natureza, a CPI é o caminho para que a oposição ao governo federal consiga fiscalizar e investigar ações do Executivo, sem a necessidade da hercúlea tarefa de se construir maioria parlamentar, já que, para a sua instalação, basta um terço de votos favoráveis, ou seja, 171 na Câmara e 27 no Senado. Não fosse a existência desse instrumento, a oposição, que na Câmara dos Deputados conta com cerca de 130 integrantes, estaria fadada a se apoiar apenas em pedidos de impeachment contra o presidente. E, com 139 solicitações enviadas ao presidente da Casa - e contando - o horizonte não parecia nada animador, considerando o comportamento fiel de Arthur Lira.

Com o recurso da CPI em mãos, a oposição ao governo no Senado, que conta com 22 senadores, conseguiu angariar votos suficientes de colegas ditos "independentes" para instalar a investigação - ainda que tenha precisado de uma "forcinha" do STF para ser colocada em prática, devido à letargia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em aprovar o requerimento. Depois disso, o que vimos entre abril e outubro deste ano foi uma verdadeira comprovação do quão importante é a função de fiscalização e de investigação que o Poder Legislativo para a democracia. 

Foi com o advento da CPI da Covid que descobrimos, com fatos, testemunhos e documentos, como o governo Federal operou nas sombras (ou, muitas vezes, à luz do dia mesmo) um esquema de sabores parte negacionista, parte corruptor, de fomento a tratamentos cientificamente comprovados como ineficazes no combate à pandemia e na compra fraudulenta de vacinas com intermediários. Se, à primeira vista, antes da CPI, o governo Bolsonaro já era claramente incapaz para conduzir o país através deste momento, com ela ficou evidente que o combo ignorância, oportunismo e negacionismo se tornou um coquetel literalmente mortal para mais de 600 mil pessoas.  

Antes da CPI da Covid, não havia uma só campanha nacional pela vacinação em massa. Ao contrário, o que víamos era apenas o esforço do próprio presidente para desqualificar as únicas vacinas disponíveis no país. Resultado: até a instalação da CPI, menos de 15% dos brasileiros tinham sido vacinados. Depois dos escândalos desvendados pelo trabalho da Comissão, houve forte pressão de diferentes setores da população e sociedade civil, causando a substituição da queima lenta da lenha pela combustão instantânea de um barril de pólvora, resultando na explosão da vacinação no Brasil, que já passou dos 75% em novembro, o que nos coloca à frente de países como Reino Unido e Estados Unidos, alguns dos primeiros do Ocidente a iniciarem a vacinação contra a Covid-19.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.