Este episódio não é só condenável em conteúdo, mas em forma. Não cabe a uma Portaria interpretar, muito menos subverter os pilares fundamentais de uma lei. Dizer o que se configura ou não em trabalho escravo é uma competência exclusiva do Poder Legislativo e requer muito cuidado quando de sua implementação por parte do Executivo, principalmente no aplicar preceitos legais tão essenciais como o Código Penal brasileiro. No caso em tela, o Executivo oportunistamente calcou-se no aspecto de que o arcabouço jurídico confere certo grau de discricionariedade ao agente fiscalizador na constatação do trabalho análogo ao escravo. Entretanto invocar excesso de discricionariedade é algo que soa tão falacioso quanto difícil de mensurar-se, em especial esta situação tão contextual e sensível como a fiscalização de condições de trabalho.
Portarias são atos de ministros de estado que buscam estabelecer os procedimentos e fluxos de trabalho para a implementação das leis e políticas públicas. Ou seja, orientar e organizar os atos administrativos que serão praticados pela Administração Pública. Fica, pois, evidente que a Portaria avançou suas competências e subverteu a vontade do legislador, expressa na lei. Esta é uma das principais razões pelas quais Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, partidos políticos e diversas outras organizações se posicionaram contra a Portaria. O Supremo Tribunal Federal foi invocado e a ministra Rosa Weber, em caráter liminar, suspendeu os efeitos da portaria, até que o tema seja apreciado pelo plenário do STF.
Esta e dezenas de outras ações de barganha com sua base aliada parecem ter surtido o efeito desejado. Ontem a Câmara dos Deputados rejeitou o segundo pedido de investigação contra o presidente da república. A um custo cada vez maior este governo permanece no poder e 2018 parece não chegar.