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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

5 motivos para não votar em mulheres nessas eleições... e como desconstruir cada um deles

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Por Hannah Maruci Aflalo
Atualização:

A cada eleição temos uma nova chance de eleger representantes que correspondam às nossas expectativas, uma nova chance de fortalecer nossa democracia, uma nova chance de garantir mais justiça social por meio do sistema representativo. A cada eleição também ouvimos as mesmas desculpas para que essas chances sejam desperdiçadas. As mulheres são hoje mais de 51% do eleitorado e apenas 15% das eleitas. As mulheres negras são 28% da população e não passam de 2% do Congresso Federal. As pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e os quilombolas sequer constam nos dados oficiais para sabermos os níveis reais de sua sub-representação. Nossa democracia hoje não é nem justa e nem completa. Vamos então desconstruir essas desculpas esfarrapadas e votar direito esse ano?

 

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1. Um homem pode muito bem representar uma mulher

Poder, pode. Como coloca a cientista política Jane Mansbridge: "Todo mundo pode representar todo mundo. Eu posso representar um marciano". E é verdade. No entanto, não se trata apenas de quem representa, mas de como essa representação se realiza. Um homem pode e deve representar uma mulher, porém, ele não possuirá a perspectiva decorrente da experiência de vida de ser mulher, que passa por experiências específicas e intransferíveis. Se me preocupar com segurança quando ando sozinha à noite não faz parte da minha vida, muito dificilmente isso será foco de minha atividade legislativa. Assim, é preciso haver uma multiplicidade de perspectivas na arena política para que as diversas vivências e necessidades sejam contempladas. Esperamos sim que mulheres tenham uma chance maior de representar mulheres com mais qualidade. Isto vale para todos os grupos sociais, levando em conta fatores como raça, classe, gênero e orientação sexual.

 

2. Mulheres vão legislar apenas para mulheres

Qualquer representante eleita para um cargo legislativo irá representar toda a população, independentemente de suas bandeiras. De qualquer forma, essa pergunta pode parecer até mesmo absurda quando a invertemos, adaptando-a à realidade brasileira: "Homens são atualmente 85% dos eleitos na Câmara dos Deputados, isso significa que eles legislam apenas para si?". Há quantos anos essa é a nossa realidade e a possibilidade de apenas os homens estarem sendo representados sequer foi questionada? Quando falamos em eleger pessoas de grupos que são atualmente representados, como mulheres, negros, LGBTQIA+, estamos buscando garantir a diversidade de perspectivas que hoje não existe, e não de sobrepor essas perspectivas à outras.

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3. Mulheres são muito emotivas para a política

Essa afirmação traz consigo dois problemas. O primeiro é a suposição, baseada nos estereótipos de gênero, de que mulheres serão necessariamente mais emotivas do que os homens, o que é uma construção social que não se verifica necessariamente na prática. Além disso, as mesmas ações executadas por mulheres e homens são muitas vezes lidas de maneira diferente. Por exemplo, uma fala mais enfática feita por uma mulher pode ser rapidamente entendida como uma atitude histérica, enquanto o mesmo comportamento atrelado a um homem pode ser considerado uma característica positiva, associada à assertividade. O segundo problema é a noção de que a emoção e a política não devem se misturar, quando elas são de fato indissociáveis. A ideia de que as decisões políticas são exclusivamente racionais e de que a emoção não possui um papel essencial e decisivo não é verdadeira. Por isso, a emotividade não deveria ser considerada uma característica negativa para um parlamentar ou chefe de estado e muito menos um motivo para desqualificar a presença de mulheres na política.

 

4. As mulheres não querem estar na política, senão haveria mais candidatas

As mulheres são hoje quase metade das filiadas aos partidos políticos. Segundo o TSE, em 2020, 33,5% das candidaturas foram de mulheres. O interesse existe, mas ele é minado durante o processo de decidir se candidatar até efetivamente ser eleita por diversos fatores. O primeiro deles é uma barreira social, a construção histórica de que a política é lugar de homem e não de mulher. O que se reflete na composição das câmaras e casas legislativas: ao possuírem a maioria de homens, a ideia de que esse lugar pertence aos homens é socialmente fortalecida. Assim, as mulheres, ainda que sejam lideranças e capacitadas para tal atividade, muitas vezes hesitam ou nem consideram a possibilidade de ocuparem um cargo eletivo, porque jamais se imaginaram lá. Ainda nesse quesito, a violência política de gênero e raça atua como uma rígida barreira à entrada e permanência de mulheres, sobretudo negras e trans, na política. Soma-se a isso um obstáculo institucional, colocado pelos partidos políticos, que excluem, negligenciam e subfinanciam as candidaturas de mulheres. Não é à toa que dos pouco mais de 30% de candidatas, menos da metade efetivamente seja eleita. Portanto, o que falta não é o interesse das mulheres em disputarem o jogo eleitoral, mas a justiça e igualdade de oportunidades nessa disputa.

 

5. Não existe uma candidata mulher que defenda as pautas que eu me identifico

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As mulheres são, de acordo com a lei, pelo menos 30% dos candidatos de todos os partidos. Isso significa que há mulheres candidatas em todo o espectro político e com as mais diversas bandeiras. No entanto, as mulheres, principalmente as mulheres negras, seguem sendo subfinanciadas em suas campanhas eleitorais, o que pode acarretar uma menor visibilidade. Por isso, é essencial realizar uma busca ativa para conhecer lideranças de mulheres que correspondam às pautas com as quais você se identifica. Se queremos mudar o status quo, precisamos ousar vislumbrar uma política fora dele, que seja inclusiva e verdadeiramente democrática.

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