"Quem faz pesquisa independente não deveria trabalhar por encomenda dos partidos e candidatos", diz Gilmar Mendes
As contradições nos números e as guerras declaratórias produzidas pelo institutos de pesquisa na atual campanha, já autorizam a previsão de uma revisão nessa área com vistas às próximas eleições. À insatisfação de grande número de políticos, candidatos ou não, com relação ao trabalho dos institutos, soma-se a preocupação do Judiciário com o assunto.
Além da discrepância registrada no início da presente campanha entre os principais institutos, o País conviveu com troca de farpas - e, em alguns casos, de chumbo grosso mesmo -, entre os representantes dessas organizações.
Augusto Montenegro, do Ibope, por exemplo, chegou a sustentar que Dilma Rousseff perderia no primeiro turno, a menos que o PSDB se esforçasse para perder. Em que pese os tucanos confirmarem a ressalva, o prognóstico era delirante, como se verificou no curso da campanha.
Não se sabe o que levou Montenegro a tal disparate, mas este jornalista testemunhou suas declarações - e, mais que isso, por dever de ofício, as registrou.
O ministro Gilmar Mendes, do Superior Tribunal Federal (STF), em conversa com este blog, disse que considera inevitável a discussão do tema com vistas à revisão da legislação a respeito.
Gilmar acha que existe um conflito de interesses na liberação dos institutos de pesquisa para realizar consultas independentes e, ao mesmo tempo, prestar consultoria e assessoria para os partidos políticos.
"O princípio da igualdade fica comprometido. Deveria haver restrições aí: quem faz pesquisa independente não deveria trabalhar por encomenda dos partidos e candidatos", diz.
Segundo Gilmar, por comprometer o princípio da igualdade, essa liberdade é inconstitucional. O ministro esclarece que muitos políticos reclamam desse aspecto da prestação dupla de serviços pelos institutos de pesquisa, alegando que, no mínimo, isso autoriza a desconfiança sobre os resultados divulgados.
O principal problema é que as pesquisas têm influência direta no financiamento das campanhas e um erro, ainda que de boa fé, pode determinar a sorte de um candidato. Se bem nas pesquisas, o potencial de patrocínio é grande: se inferiorizado, dá-se o oposto.
Além disso, a influência se estende às alianças - mais ou menos viáveis conforme a dança dos números. Num ambiente eleitoral, a prestação dupla de serviços põe em dúvida a isenção dos institutos, alegam os reclamantes.
"O disciplinamento da matéria se impõe independentemente da ação da justiça eleitoral, mas ela também é parte e deve participar da discussão", disse Mendes.
Segundo o ministro, a revisão desse aspecto do processo eleitoral é inevitável e seu ponto central é a liberdade dos institutos de trabalharem para partidos, candidatos e, alegadamente de forma isenta, para o público em geral.
"Não se pode pôr em dúvida a idoneidade desses institutos, mas também não se pode negar aos que se sentem atingidos, o direito da desconfiança, na medida em que o conflito de interesses está amplamente caracterizado", diz.
Como já existe no Congresso propostas para regulamentar essa questão, é bastante provável que na reabertura do ano legislativo, já renovados Câmara e Senado, o tema seja ressuscitado, com as feridas geradas na campanha.