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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Tolerância zero: contra promessas

Eleição é assim: promessas. O gesto é antigo, sugerido por Maquiavel no século XVI para o Príncipe em época que não era costume promover escolhas democráticas. Se pra tapear súdito já era comum, imagina para receber votos. Fosse o eleitor minimamente formado e a história seria outra, mas vamos adiante. Ouvido que aceita qualquer coisa estimula boca que fala qualquer coisa. Em um oceano de exemplos, não são apenas bocas, mas papéis a registrarem absurdos. Dia desses encontrei o jornal que noticiava a promessa de uma ministra sobre a inauguração do trem-bala pra Copa... Ela virou presidente, mas o trem não decolou - pudera, trem não voa! Mas o clássico do juramento está associado à mania que candidatos a prefeito têm de falar sobre segurança. 'Tolerância zero' é termo que candidato a governador, em devaneio pleno, poderia até tentar empurrar. Mas prefeito? A onda talvez tenha se intensificado com Paulo Maluf, que até hoje, como deputado, adora falar da Rota na rua (organismo da Polícia Militar de São Paulo). Quando fazia campanhas municipais - e a última ocorreu em 2008 - não era diferente. Tudo sempre igual.

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Por Redação
Atualização:

 

E assim, em Itatiba, interior de São Paulo, não foi diferente. O prefeito eleito em 2008, João Fattori (PSDB), distribuiu folheto pela cidade onde listava ações a serem implementadas junto à Guarda Municipal que reforçariam as aspas estampadas no material: "no meu governo o crime não terá vez". Para o cidadão comum pode ter sido algo maravilhoso, digno de confiança e firmeza. Pena (ou não) que efetivos municipais tenham poder de polícia reduzido, restando a instalação de câmeras pela cidade e a vigia das entradas do município e portas de escolas. O resto vai caber às polícias estaduais. Mas na linha de Maquiavel o importante é prometer, mesmo que, segundo o clássico italiano, algo "explique" o não cumprimento mais adiante. E o que justificaria uma Itatiba amedrontada pelo crime? Nada de mais se olharmos para outras cidades. Assim, o prefeito poderia até se defender dizendo que o crime por ali cresceu menos do que a média das demais localidades próximas. Perfeito, pode ser até verdade. Pode ser! Mas o fato é que se por um lado números da Secretaria de Segurança Pública do Estado apontam para algo que mostra que as taxas de homicídios dolosos, furto e roubos, incluindo os veículos, andavam descontroladas em 2008 na cidade, e baixaram expressivamente em 2009, primeiro ano de Fattori no poder, por outro os dados dos anos seguintes apontam que algo desandou, sendo que em 2013 as taxas de homicídio quadruplicaram em relação a 2012. Mais uma vez valeria a desculpa: é uma tendência no estado. Sim, pode até ser, mas os panfletos distribuídos pela cidade continham dizeres literais: "Tolerância Zero Contra o Crime". E se esta é a promessa, ela precisa ser cumprida, sobretudo quando em nome do meio ambiente uma tarja destacada no material publicitário diz: "guarde este panfleto para cobrar depois. Não jogue-o na rua". Ótimo. Pois aqui está: um cidadão guardou, mostrou e agora a questão está posta. Pode um prefeito se comprometer tanto com o combate ao crime numa atribuição que certamente escapará de seu controle? Num país que aceita qualquer tipo de promessa sim, mas se formos levar a cobrança a sério e reduzirmos a zero a nossa tolerância, Fattori, e tantos outros, terão muito para explicar. Por sinal: alguém sabe onde compramos bilhete, em São Paulo, para irmos ao Rio de Janeiro de trem-bala?

 

 

Material de campanha Itatiba (2008) Foto: Estadão
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