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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

O que esperar da criação de novas cidades no Brasil?

A história funciona mais ou menos assim de acordo com quem acompanha o ritmo de criação de novos municípios no Brasil: em regimes mais fechados de nossa história o passo é mais brando, e em tempos mais democráticos a velocidade se acentua, e novas cidades são mais criadas. Isso vale até 1996 e veremos porquê.

Por Humberto Dantas
Atualização:

Pra quem defende mais municípios a medida é uma excelente saída rumo à descentralização que combinaria melhor com a autonomia local, que se encaixaria mais claramente numa lógica democrática e autônoma - quem visita tecnicamente a Alemanha, por exemplo, sai de lá convencido demais dessa alternativa. Mas essa parece ser a parte mais romântica da história. E para alguns que se dizem realistas, a criação de municípios, sobretudo aqueles insustentáveis economicamente - entenda aqui a maioria absoluta dos já existentes -, seria a forma de deputados federais criarem seus currais eleitorais de forma ainda mais clara, perpetuando uma dependência absoluta dessas novas cidades em relação a recursos federais que seriam convertidos em benesses garantidoras de votos. Simples assim. Será?

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Aí volta a turma municipalista e afirma que a saída para essa criação de uma nociva dependência é simples: basta que reorganizemos o pacto federativo, e que os recursos deixem de ser arrecadados fortemente em Brasília e passem a ser obtidos por meio de impostos municipais, que no total do bolo atual representa menos de 10% do que se arrecada no país. As transferências, assim, mais concentradas nas cidades, deixariam de ser verticais - de Brasília para as localidades - e passariam a ser horizontais - de cidade para cidade em busca de um equilíbrio que tirasse poder da capital federal, que por vezes mais se assemelha a um reinado, onde os nobres políticos beijam as mãos do rei em busca de apoios regionalizados. É mesmo?

O debate é longo e já foi tema de trabalhos complexos no mundo acadêmico e no universo técnico. De Brasília espera-se pouco em relação a essa centralidade, pois seu fim estaria condicionado a uma mudança que partiria dos deputados federais que, em tese, mais se beneficiam desse centralismo em sua grande maioria. Em época de crise, inclusive, seria improvável pensar na criação de novas cidades, e muitos falam em fusões.

A Constituição de 1988 deu autonomia aos estados para que criassem regras próprias, mas desde 1996 isso está parado, pois em alguns estados se notou uma sede tão gigante para a fundação de novas cidades no Brasil que o poder público federal tocou o pé no freio. Durante o governo Dilma o assunto voltou à tona, pois na década de 90 o que se exigiu foi uma regra nacional para o tema, enfraquecendo os estados em suas autonomias. A presidente vetou integralmente o projeto que levou quase 20 anos para ser construído e aprovado no Congresso Nacional em pleno semestre eleitoral. Era agosto de 2014 e o tema se mostrou delicado demais para aquele instante. A justificativa para a medida foi o interesse público: "novos municípios representariam gastos demais". E olha quem disse, hein!

Com a intensificação do ritmo da tentativa de independência na Catalunha, o tema de desmembramento voltou à tona no Brasil. Primeiro por meio de uma turma de sulistas que, aproveitando a liberdade de expressão constitucional, entende que poderia formar um país. Historicamente o movimento poderia até fazer algum sentido na cabeça de gaúchos - em intensidade maior - e catarinenses. Mas definitivamente isso não combina com o Paraná, e em termos atuais, tampouco com o país como um todo. Absurdo!

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Pois bem: e nas cidades brasileiras? Os movimentos são imensos pela criação de novos municípios. E alguns raros conseguiram furar a barreira de proibição nos últimos vinte anos. Mas a vontade é mais acentuada que esses casos esporádicos: num levantamento do portal Terra de 2008 junto a 24 assembleias legislativas do país acumulavam-se mais de 800 pedidos de emancipação territorial para a criação de novos municípios, o que pela regra exigiria processo longo com consulta popular e tudo o mais. O ímpeto maior à época era do Rio Grande do Sul, que dada sua população de origem mais europeia parece mesmo disposto à intensificação de fronteiras. Lembremos que nas origens de seus povos imigrantes estão a Itália e seus mais de 20 mil municípios e a Alemanha com mais de 12mil.

Já em levantamento de O Globo de 2013 esse total de novas cidades caía para 410 junto a 26 assembleias. A reportagem falava numa Frente Nacional de Apoio à Criação de Novos Municípios que contaria com o apoio de 350 parlamentares à época. Todos eles, certamente, posicionados entre a importância da descentralização e a farra da dependência criadora de currais eleitorais. Em quem acreditar nesse instante? O debate é muito mais complexo do que se possa imaginar.

O fato, para deixar claro que existe uma imensa complexidade nesse tema, é destacar a heterogeneidade do país, sobretudo na distribuição de sua população. Tomemos apenas duas variáveis por estado: média de habitantes por município e média de quilômetros por município. No primeiro item as 139 cidades do Tocantins (11 mil habitantes em média), as 224 do Piauí (14,3 mil) e as 223 da Paraíba (17,9 mil) contrastavam com o Rio de Janeiro e suas 92 cidades com média de 180 mil habitantes cada uma, tendo São Paulo (69,3 mil em 645 municípios) e o Amazonas (64,5 mil em 62 cidades) como outros exemplos. Esses números sequer consideram o fato de no interior desses estados haver uma expressiva heterogeneidade. O que fazer? No segundo item está o tamanho das cidades, e Paraíba (250 quilômetros quadrados por cidade), Alagoas (270 quilômetros quadrados por cidade) e Sergipe (290 quilômetros quadrados por cidade) contrastam com os 25 mil quilômetros quadrados de média do Amazonas e os quase 15 mil de Roraima. É possível se criar leis federais para regular isso? É possível tirar essa discussão dos estados? É possível ignorar fenômenos econômicos e extremamente técnicos para esse debate? É possível deixar essas decisões nas mãos de políticos que contabilizam votos e dependências? É possível fazer o caminho inverso e pensar na fusão de municípios? Difícil demais encontrar uma equação que traga respostas básicas para essas questões. Quem as tiver, de forma simples, corre o risco de se tornar simplório demais em suas percepções.

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