Cumplicidade é uma palavra que representa bem o sentido de certas capacidades de desafiarmos lógicas presentes. Parlamentares, por exemplo, criam métodos próprios para trafegarem em terrenos que para alguns são imorais ou pouco afeitos à ética. Deputados federais (alguns) sonham mais em distribuir dinheiro de suas emendas a prefeituras, em troca de apoio político, do que propriamente em realizarem trabalhos de legisladores e fiscalizadores do Poder Executivo. Pudera: você conhece algum eleitor que em meio à campanha pergunta para o deputado quantas ações de fiscalização ele promoveu ao longo do mandato? Pois é, mas inúmeros eleitores comparecem às inaugurações de ações que contam com a presença do "deputado financiador". E nesse tipo de atividade a criatividade parece ser a marca dominante. Em 2014, por exemplo, elegemos deputados federais. Quando assumiram o mandato, em fevereiro de 2015, o orçamento já deveria estar aprovado para o exercício vigente, mas o Congresso só o finalizou em março. O que isso representa? Teria dado tempo de os novos parlamentares incluírem seus desejos paroquiais na peça? Aparentemente sim, mas isso é secundário diante do que relataremos aqui. Num ímpeto de cumplicidade entre seu primeiro mandato e uma dada prefeitura, o deputado federal Capitão Augusto (PR-SP) "criou" o próprio banco - por sinal ele é um dos líderes da criação de um novo partido, o PMB (Partido Militar Brasileiro). Assim, em uma atividade de marketing questionável visitou Ourinhos, interior paulista, e entregou um daqueles cheques gigantes à prefeita Belkis Fernandes (PMDB), que se mostrava feliz com a conquista - a foto abaixo é do Facebook do próprio deputado. E note que no corpo do cheque tem até a imagem do "banqueiro". Lá está o sorridente parlamentar que se notabilizou por usar farda de policial militar no Congresso Nacional. A polêmica da vestimenta ganhou os jornais, agradou alguns, incomodou outros, mas sinceramente não entendo ser isso um problema.
Voltemos então para a "ordem de pagamento": ali, estampado, bonito, e no espaço comumente destinado à instituição financeira os dizeres "Capitão Augusto / deputado federal" ao lado da foto (verifique). Praticamente um banco! É isso mesmo: as questionáveis emendas parlamentares foram transformadas em folha de cheque e distribuídas. A foto da entrega, nessa caso pequenina, também está no portal da Prefeitura de Ourinho-SP - pelo menos estava até o dia 22 de setembro. E na reportagem a promessa de que os recursos chegariam até agosto - ou seja, tratava-se de um cheque pré-datado? A data é de 23 de março, ou seja, faltou o "bom para". Mas há quem garanta, no entanto, que os recursos não chegaram efetivamente em razão da situação caótica do país - ou seja, as contas públicas federais transformaram o cheque num borrachudo sem fundo? Pois é! Diante de tudo isso, faltou apenas entender porque não há numeração no cheque, verificar se efetivamente o nome do "correntista doador" é o do deputado, como parece ser, e sugerir que o troquemos por"povo brasileiro". Faltou também verificar onde está aquele discreto "cliente desde...", atestando a duração da cumplicidade.