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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Financiamento de campanhas municipais 2016: a empresa investia, mas o cidadão doador é puro. Até quando?

Inspirado na matéria do Estadão de 19 de setembro

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Por Humberto Dantas
Atualização:

Sempre achei lastimável o argumento apontado no título desse texto. Sempre entendi que separar a "empresa do mal" do "cidadão do bem" era algo assombroso. Concordo com o argumento de que empresas tinham interesses que desequilibram o jogo eleitoral, mas apenas afirmar que ela estava corrompendo a partida nos coloca diante de algo bem diferente de uma eleição. Trata-se de caso de justiça, e basta que esta exista para parte expressiva desse investimento, apontado por muitos, cair por terra. Temos justiça? Estamos preparados pra isso? Algumas investigações recentes mostram um esforço que merece atenção.

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Mas tudo bem: as empresas saíram do jogo político, ao menos no que diz respeito aos seus CNPJ's. E o mundo recaiu sobre duas fontes pouco observadas em tempos recentes pelos cidadãos em geral: o Fundo Partidário e o cidadão comum - a "pobre vítima" que tem liberdade para alocar de forma puritana seus recursos em suas crenças ideológicas. Triste argumento de quem enxerga apenas bondade onde parte da maldade está instalada. Pois bem, vamos em frente.

O Fundo Partidário foi multiplicado por três em tempos recentes, e o relator do orçamento de 2015 afirmou que isso era desejo absoluto dos partidos representados no Congresso Nacional. A democracia é cara, todos nós sabemos, e o Estado brasileiro topou conceder quase R$ 1 bilhão aos partidos por meio do tal fundo - e outras centenas de milhões na isenção tributária para rádio e televisão, que mesmo sendo concessões públicas ganham pra exibir algo de interesse público desde a década de 80. Falamos aqui do horário eleitoral chamado equivocadamente de gratuito.

A segunda fonte é o CPF, o dinheiro do cidadão comum e puramente "bem intencionado". E então ficou assim: em um ano, ou seja, em doze meses, entre a decisão do STF de proibir a doação de empresas em setembro de 2015 e as doações de pessoa física verificadas em setembro de 2016, milhares de brasileiros se aproximaram da política, entenderam a responsabilidade de doarem dinheiro para os nobres candidatos em nome de uma cidade melhor, de um mundo mais colorido e condizente com seus desejos ideológicos e partidários. Que maravilha. Que avanço democrático expressivo! Que ganho! Que fortaleza!

Balela! Balela grossa e assombrosa. É óbvio que bastava um olhar atento da justiça sobre essas doações e um caminhão de assombros seria encontrado. Pois foi o que a justiça fez - ao menos! E em 19 de setembro chegou a R$ 313 milhões de doações sob suspeita - claro que nem todos os doadores são suspeitos, assim como nem todas as empresas eram corruptas. Dinheiro estranho, doado de forma esquisita. Algo ao estilo Legião Urbana e o casal Eduardo e Mônica: festa estranha, com gente esquisita! Vamos a alguns números, e fechamos com algumas provocações adicionais.

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Desse montante, R$ 140 milhões vêm de cidadãos que não têm capacidade econômica para doar. Ou seja: muito provavelmente se trata de CPF utilizado de forma indevida, o que chamamos de "doadores cítricos", ou laranjas. Cruze esses nomes com recebedores de benefícios públicos e encontremos de onde vêm os dados utilizados de forma criminosa por gente infiltrada nas máquinas. Pobres sujeitos que terão que constituir advogados para lhes tirarem desse lamaçal. Terão recurso pra isso? A justiça será capaz de entender o lado de quem foi utilizado como otário? Quem será punido? O candidato? Não chegou a hora de punir o partido junto? Só do Bolsa Família vêm mais de dez mil doadores, com um total de quase dez milhões de reais. Pudera: na internet até o CPF desses cidadãos nós encontramos em bancos de dados oficiais. Bastava lançar como doador pra lavar dinheiro criminoso.

Outra fonte de suspeitas são os empresários. A empresa saiu, mas o limite de 10% dos recursos faturados no ano anterior por pessoa física não. Isso representa que o rico ainda vale infinitamente mais que o pobre. Ambos têm o direito de mostrarem interesse nobre pelas campanhas? Claro que sim. Mas o peso do capital tão criticado continua absolutamente vivo. Pudera: não se legislou em matéria de doação no Brasil em 2015, apenas se interpretou parte da lei, e a partir da leitura do "ativo Judiciário" se estancou uma parcela do sangramento das corrompidas doações. Ao colocar o dedo sobre um corte, o sangue teria passado a jorrar de outro ponto da ferida. Simples e esperado. Por sinal, algumas empresas suspeitas de terem participado de compras públicas superfaturadas têm seus donos, dirigentes e sócios nas listas de doadores. Quanta pureza! Que nobre gesto de crença ideológica! Nada de investimento, né?

É isso que as reportagens mostram, mas eu não pararia por aqui. O total de servidores públicos doando é assombroso. Familiares e comissionados apostam fortemente em seus patrões. Para os olhos dos mais puros trata-se da crença no trabalho feito pelo chefe, o que pode ser verdade - é obvio que pode! Mas a promessa de manutenção no emprego (crime previsto na Lei 9.840) e a obrigatoriedade de emprestar o CPF para lavar dinheiro é algo que precisa ser atentamente observado em nosso país. Como desvendar isso? Como descobrir? A justiça tem como fazer isso. O servidor virou o agente central das campanhas, e é urgente observar isso. O caso aqui vai além, e lembra o forró de Dominguinhos: "olha quem está fora quer entrar, mas quem está dentro não sai". Ou seja, tem gente doando pra comprar cargo na eventual vitória das oposições? Claro que sim, por mais que isso ninguém seja louco de admitir e, portanto, fique complexo de provar. Nesse caso, precisamos verificar com ainda mais atenção o peso do setor público em algumas realidades locais. Temos cidades em que a massa salarial das prefeituras representa quase que toda a economia ativa da cidade. Nesse caso, o peso desse jogo seria avassalador sobre qualquer princípio ético de crença nos partidos e suas ideologias. Ou mesmo nos candidatos e suas propostas magníficas.

Outra fonte essencial: funcionários exclusivos de campanhas, gente que está trabalhando exclusivamente para eleger alguém, prestando serviço, e recebendo dos candidatos, tem aparecido na lista de doadores. Aqui o caminho do dinheiro fica nítido: o sujeito RECEBE da campanha e, ao mesmo tempo, DOA para ela. Estranho? Claro que sim. Por sinal, campanhas se transformaram em verdadeiras lavanderias de dinheiro.

Por último, uma crítica à justiça eleitoral. Faz alguns meses a doação por meio de mecanismo de crowdfunding foi proibida porque segundo o Judiciário a empresa que organiza esse tipo de arrecadação costuma reter percentual do dinheiro pelo serviço realizado. Pois bem, no começo do mês o TSE regulamentou a doação de pessoa física por meio de cartão de crédito.  E as bandeiras de cartões? Não costumam reter parte do que se paga por meio do dinheiro plástico de quem recebeu dessa forma? Ou nesse caso trabalharão de graça? O novo mundo das campanhas e suas doações assombra qualquer cidadão capaz de perceber que onde quer que exista uma nova regra existirá um agente capaz de pensar num jeito de burlá-la. Ou a justiça pune com rigor, se é que é capaz de entender a complexidade de tudo isso, ou esfacelaremos qualquer tentativa de aprimoramento. Sem falar na sina dos congressistas brasileiros em reativar velhas formas de financiamento de campanha.

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