Agora junte os dois aspectos legais acima: publicidade restrita e mandato pertencente ao partido. Logo devemos imaginar que é absurdo que deputados e vereadores tenham equipes pessoais para a promoção de seus mandatos na mídia. E pelo nível dos materiais que costumo receber são quase colunistas sociais que fotografam e relatam o cotidiano parlamentar. Fico imaginando o orgulho a cada nova edição. E fico pensando também onde a justiça eleitoral está nessas horas. Não existe! E a prática se dissemina pelo Brasil. Muitos deputados e vereadores espelham a ode à personalidade. O louvor ao legislador. Um absurdo que em nada leva adiante a ideia de que o parlamento é uma casa plural. O gabinete, sob essa cultura, é quase um feudo onde reina o chefe de algum clã eleitoral.
Pois bem: semana passada caiu em minhas mãos o jornal do deputado estadual paulista Cezinha de Madureira. Um folheto de alta qualidade gráfica, colorido, papel grosso, brilhante e repleto de fotos. Fotos e mais fotos de Cezinha. Na capa ele agradece a Deus e a todas as celebridades das igrejas que o apoiaram. Fala de sua posse. Nas duas páginas centrais da publicação 19 fotografias e quase nenhum texto. Apenas legendas mostrando a vida profissional e religiosa do parlamentar. NADA de interesse público. Absolutamente nada: só foto de atos em igrejas. Tudo em nome de Jesus, num estado laico que permite que o dinheiro público seja utilizado assim, fingindo por meio de alguma interpretação corporativista ignorar a lei - ou ao menos os princípios legais. Na última página, finalmente, a informação razoável: nove questões associadas às suas práticas legislativas. Projetos de lei, indicações de verbas e coisas dessa natureza. Por fim, o total de exemplares pagos com o dinheiro do contribuinte: 50 mil exemplares que o paulista desembolsou. E nem sonhe em apontar para Cezinha e acusá-lo de algo isolado. Praticamente todos fazem a mesma coisa. Afinal de contas, volto a insistir: alguma interpretação bizarra da lei permite que o tom da propaganda dos parlamentares, travestida de "informativo de mandato", seja feita em tom de absoluto louvor pessoal - e nesse caso a Deus. O absurdo é tão assustador que o partido de Cezinha quase NÃO existe no panfleto. Quase NADA da organização que pela lei é DONA do mandato do parlamentar: apenas o símbolo em letra mínima (micro) nos quadrinhos das ações parlamentares, dando a impressão de separação absoluta entre a ação parlamentar e o louvor divino. Vou arriscar, nesse caso, uma explicação: o tom expressivamente religioso da publicação deve ficar incomodado demais com o fato de o deputado ser membro de um partido cujas quatro primeiras letras formam a palavra DEMO. Mas o complemento do vocábulo nada tem a ver com o demônio. Estou falando dos Democratas, e de quanto a Democracia se apequena com esse tipo de impresso "público", pago com dinheiro público...