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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Atropelemos o regimento interno

A polêmica da semana passada esteve concentrada na discussão do projeto que reduz a maioridade penal no Brasil. A discussão é antiga no país e o parlamento resolveu encarar o desafio. E aqui não importa se sou favorável ou contrário - e sou contrário - à ideia. O que devemos ter em mente é que na democracia a regra para a mudança das regras deve ser extremamente clara e respeitada. Em nome da democracia. Esse ponto é crucial, é um sinal de respeito pelo pacto. Cunha desrespeitou ou não o regimento? Polêmico...

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Por Humberto Dantas
Atualização:

 

Mas a ação não se restringe ao atual presidente da Câmara. Analistas do parlamento não costumam relatar poucas manobras regimentais no cotidiano do Congresso Nacional, e os jornais cansam de mostrar que certas instabilidades e incertezas nas interpretações ofertam à realidade legislativa tudo o que a democracia menos gosta: insegurança jurídica. Pobre país em que homens, e suas ideias pessoais, costumam vencer facilmente as regras e as construções coletivas. E como costumamos defender nesse blog, se acontece em Brasília, muito provavelmente, é porque existe um somatório de fatos locais que tornam tais manobras "comuns" aos olhos de quem vive na política. O Brasil não tem essa cultura apenas no plano federal, isso seria impossível. Assim, uma rápida pesquisa pelo termo "vereador atropela regimento" nos oferece quase 50 mil retornos no tradicional e aclamado Google. Tudo bem que a pesquisa foi feita sem as aspas, mas considere que utilizei "atropela", e se fosse trocando por sinônimos ou termos que dessem à frase conotação semelhante chegaríamos a tantos outros resultados. Pois bem...

 

Nesse ano chama a atenção o ocorrido em Major Sales, Rio Grande do Norte - e isso é só um exemplo. Por lá não é o protagonismo legislativo de Cunha que se destaca, mas a velha e carcomida submissão do parlamento aos interesses do prefeito. Em abril, o vereador Romário de Lima, em blog do Sargento Andrade, teve reproduzida mensagem onde desanca pra cima do prefeito e do poder onde ocupa uma cadeira. Segundo ele, no dia 14 de abril, o Poder Executivo deu entrada a cinco projetos na casa, solicitando regime de urgência na tramitação de três deles. Se o regimento fala em dez dias para a apreciação do que carrega esse perfil emergencial, os vereadores ignoraram o fato. Simples assim. E votaram o projeto no dia de sua entrada. Todas as fases que a proposta precisa para prosperar, a passagem pelas comissões e tudo o mais foram rapidamente vencidas. Rapidamente? Se o presidente da casa fosse o The Flash e o prefeito fosse neto de Enzo Ferrari a coisa não teria sido tão rápida. Resultado: Romário votou contra, e esbravejou: "Pelo que percebi lendo por cima, ambos os Projetos eram de grande beneficio. (...) Porém como eu, na Função de Vereador votaria na liberação de uma recurso no Valor de 65 MIL REAIS sem ler uma virgula do Projeto de Lei?  A meu ver seria no mínimo irresponsabilidade da minha parte, pois assim estarei deixando de exercer minha função". Palmas para Romário, e pena que muitos não pensem assim. Sabemos que o parlamento é a arena da convicção, e muitos vereadores trocam suas funções essenciais por migalhas que transcendem o papel do legislador, mas Romário nos deu um exemplo, a despeito de sua trajetória política, que eu não conheço, do cuidado necessário no tramitar de um projeto. Major Sales, em contrapartida, apenas reproduz a mesma cultura política de sempre. E o regimento? Ora o regimento... Dane-se, né?

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