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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Uma ponte segura para o futuro, pós COVID.

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Por Redação
Atualização:

Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes é economista, professor do Departamento de Gestão Pública da EAESP-FGV.

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 Felippe Nogueira Monteiro é mestre em Direito por Harvard Law School, e foi Chefe de Gabinete da Secretaria de Assuntos Estratégicos (2015).

 

Desde a segunda guerra mundial, todas grandes crises econômicas foram decorrentes de problemas na organização produtiva humana ou da dependência excessiva de um insumo, como o petróleo. A crise atual, contudo, tem uma dinâmica toda diferente, externa às vontades humanas que é a epidemia em si, causada por um vírus.

A pandemia provocou uma alteração profunda na circulação de pessoas e mercadorias, trouxe um grande pessimismo eintensificação da aversão ao risco. Sem vacina, tratamento ou mesmo imunização da população e, por conseguinte, erradicação da doença, o mundo ficará paralisado.

Fruto de uma doença ímpar, a economia global entrou em um quadro de recessão profunda com uma crise rara que combina simultaneamente choques negativos de oferta e demanda.

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Do ponto de vista da oferta, ou seja, da capacidade de produzir, houve a interrupção de cadeias produtivas em função das diferentes medidas de distanciamento social aplicada em diversos países. Ainda que parcela do trabalho possa ser feito remotamente, a redução da mobilidade das pessoas e dos espaços de convívio acertam em cheio o setor de serviços, que depende basicamente de interação. Em geral, o setor de serviços representa 2/3 do PIB e é o maior empregador, produzindo assim uma severa perda à economia.

Se esse é a face mais mais evidente, de outro lado, há também um choque de demanda brutal.

A demanda é função do nível de consumo e do nível de investimento. Ambos acabam por ser negativamente influenciado pelas perspectivas deterioradas da economia.

As consequências são drásticas pois levam a paralisia da economia, queda brutal da produção e, com isso, dos salários pagos e dos retornos auferidos, quando não da demissão em massa, empurrando as pessoas mais hipossuficientes ainda mais à margem da sociedade em um momento de crise sistêmica do serviço de saúde, em que deveriam se sentir protegidas pelo Estado. Isso sem contar com a classe de autônomos e informais que consiste em parcela significativa da população que não conseguirá receber renda para sobreviver. A consequência é um empobrecimento generalizado do mundo, por meio de choques sucessivos negativos de oferta e demanda. Estamos, portanto, vivendo um choque duplo negativo e mesmo que as restrições fossem relaxadas imediatamente, a recessão já estaria instalada.

Assim, como o Brasil poderia lidar com o que vem pela frente? Quais as saídas que o governo poderia oferecer para combater a crise econômica, tanto no curto prazo quanto no longo?

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Economistas e juristas precisam incorporar a dimensão real da epidemia que é a existência de um vírus mortal. Nesse contexto, devem atuar como verdadeiros engenheiros sociais, criando uma ponte para que possamos acessar o futuro, quando a pandemia tiver sido vencida pelos profissionais da saúde, com a maior parte de nossa economia salva.

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É uma crise ímpar que exige, portanto, soluções igualmente singulares, engenhosas e criativas. Não há receita pronta. O mero relaxamento das restrições não mudam os aspectos fundamentais de disseminação da doença. É fácil ver isso.

Supondo uma empresa com mil funcionários, aproximadamente de 400 a 700 iriam adoecer a médio e longo prazo com base nas características da doença. Inevitavelmente, os adoecidos teriam que entrar em quarentena e quase simultaneamente pela formidável velocidade de contágio. Não há um RH capaz de lidar com uma situação de estresse tão profunda. Isto já está ocorrendo nos setores essenciais, como ilustra a Smithfield Foods nos EUA, responsável por 5% de toda carne bovina processada no país. Com mais de 300 funcionários afastados por causa do COVID, a principal unidade da empresa fechou.

Além disso, qualquer outra solução, como, por exemplo, isolamento vertical, não se sustenta. Isso porque, segundo o censo do IBGE, além de quase 15% da população ser composta por idoso, cerca de 25% deste universo mora com três ou quatro pessoas. Ou seja, mais da metade de brasileiros vivem com pessoas de grupo de risco. Isso sem contar as comorbidades (asma, obesidade, diabetes etc), perfazendo um percentual significativo da população que deveria ser isolada.

O argumento de se utilizar hotéis e prédios abandonados para alocar pessoas do grupo de risco não sobrevive também a uma análise lógica, na medida em que não parece ser a alternativa mais inteligente colocar pessoas do grupo de risco juntas considerando o potencial alto de contágio do Covid-19.

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De todo modo, não há como negar que a quarentena impossibilita que a economia funcione de forma adequada, causando recessão que poderá gerar ainda mais desigualdades sociais - ainda mais em um país desigual como o nosso - e logo há um outro ciclo vicioso de queda de renda que já mencionamos no choque de oferta.

Vencido, assim, a ideia de retornar a um mundo que não existe mais, é preciso técnica, criatividade e coragem pra enfrentar a crise.

Sintetizamos em 7 eixos principais:

1) Manutenção do nível de renda: O governo deve antes de tudo, atuar para manter o nível de renda suficiente para a economia não morrer e, do ponto de vista moral, para que brasileiros possam ter o mínimo de subsistência. Isto é fundamental pois é o que também permitirá o sucesso das medidas de saúde pública como a quarentena. Um programa de renda mínima de R$ 1000 para os 30 milhões de brasileiros mais pobres por três meses custaria cerca de 90 bilhões, isto é um valor que pode ser suportado pelo atual nível de endividamento brasileiro. Isso é superior aos R$600 reais que o governo está concedendo atualmente.

2) Suspensão do financiamento: O governo deverá suspender parcela de financiamento de imóveis e carros por três meses, por meio de injeção de recursos no sistema financeiro pelo BACEN e regulamentação via MP. Isto é fundamental para que famílias fora da extrema pobreza possam também atravessar o período de restrição de mobilidade / interação social.

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3) Injeção de recursos no sistema financeiro: O governo deverá injetar novos recursos na economia, com tabelamento temporário dos empréstimos de até R$ 2.000,00pelo nível da SELIC para que famílias fora da extrema pobreza possam também atravessar o período de restrição de mobilidade / interação social.

4) Plano de investimento para ampliação da rede de atendimento do SUS em todo o Brasil: O governo deverá investir na ampliação da rede do SUS, assim como em saneamento básico e urbanização visando erradicar áreas potencialmente de risco para a atual e novas epidemias. Saúde é um ramo de atividade trabalho intensivo e cuja oferta de serviços está abaixo das necessidades da população. Expandir esse setor irá criar empregos tanto no curto quanto no longo prazo, ajudando a recuperar a economia. Novos empregos também serão criados pelas obras públicas necessárias, ajudando a recuperar a atividade econômica.

5) Direcionamento da economia: o governo deverá redirecionar a economia, provisoriamente, de modo a mitigar os efeitos da crise econômica, com fundamento na economia de guerra. Nesse sentido, poderia arrendar fábricas fechadas com a crise para fabricar EPI que tem baixa complexidade de produção, tal como máscaras, luvas, aventais etc. Isso geraria emprego, renda para o empresário, e redução dos custos de importação deste material de outros países. Além disso, poderia capacitar pessoas e empregá-la para trabalhar nos hospitais de campanha no Brasil todo, injetando ainda mais dinheiro na economia. O serviço de bar e restaurantes que emprega 6 milhões de pessoas e é um dos mais afetados e também pode ser utilizado para produzir alimentos para os hospitais privados e públicos que terão os custos com alimentação aumentados. Outro exemplo é requisitar que fábricas com capacidade industrial possam produzir materiais complexos tal como respirador, equipamentos de UTI etc.

6) Investimento em política de habitação: o governo deverá investir em política habitacional, incentivando famílias a mudarem para apartamentos vazios e facilitando a aquisição de imóveis já construídos em politica habitacional, por de crédito imobiliário e carência de pagamento. Essa medida é de suma importância porque levará pessoas de baixa renda para ambientes mais salubres, além de poder proteger pessoas do grupo de risco, destinando porcentagem dessas habitações para família que tenham pessoas nesta categoria.

7) Estabelecimento de regime jurídico de exceção: O governo deverá liderar o congresso para estabelecer um regime jurídico de exceção, com escopo de resguardar direitos - e não o contrário - neste momento. Nesse sentido, por exemplo deveria se estabelecer benefícios para empresas não demitirem seus funcionários, seja por meio de redução momentânea de impostos seja por meio de política facilitada a créditos; incentivos para proprietários de imóveis reduzirem o valor do aluguel de determinadas faixas razoáveis, compensando com redução de imposto de renda; flexibilização na negociação dos contratos com a participação de conciliadores, mediadores e Poder Judiciário para resolver de forma célere todos os conflitos; proteção social aos trabalhadores informais neste momento de exceção.

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Neste momento, o endividamento público não é relevante. Além disso, não haverá inflação em virtude da grande capacidade ociosa existente provocada pela crise. A ideia é suavizar ao máximo os seus efeitos. Assim como precisamos achatar a curva da epidemia, precisamos achatar a curva da recessão econômica. São tempos difíceis mas estes 7 eixos de medidas tem o potencial de mitigar os efeitos da crise na população, além de preparar para a retomada em termos saudáveis.

É hora de economistas e juristas serem verdadeiros engenheiros sociais para termos uma ponte segura para o futuro.

 

 

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