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"Tudo deve mudar para que fique como está"? A relação entre Executivo e Legislativo no caso da PEC dos Precatórios

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Por Redação
Atualização:

Chiara Lacaze Marracini, Graduanda em Administração Pública (FGV-EAESP)

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Leticia Santiago Bertoncini, Graduanda em Administração Pública (FGV-EAESP)

Rafael Barcelos Salles, Graduando em Administração Pública (FGV-EAESP)

A PEC dos Precatórios ou, como vem sendo chamada, PEC do Calote, é um projeto de alteração da Constituição de 1988 que propõe um teto anual para o valor despendido com o pagamento de precatórios, estabelecendo o prazo de até 10 anos para a quitação da dívida do estado. Para explorar a dimensão da "governabilidade" ante o presidencialismo de coalizão e sua forma clientelista de negociação, discutiremos, a seguir, brevemente, o processo de tramitação dessa PEC que ocupou a agenda política brasileira no ano de 2021.

Antes, é preciso saber que precatórios são títulos executivos, definidos através de decisão judicial, que estabelecem o pagamento de indenizações pelo Estado ao cidadão. Esse dinheiro é, p. ex., dirigido a aposentados com pagamentos retroativos, contribuintes que pagaram mais impostos do que deveriam, servidores públicos com reajuste salarial e donos de imóveis que foram desapropriados para construções de obras públicas.

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A autoria da proposta é do presidente Jair Bolsonaro (PL), que alega um buraco orçamentário destinado ao pagamento do programa Auxílio Brasil. O novo programa foi lançado por meio de medida provisória (MP 1.061/2021), que revogou o antigo Bolsa Família, após 18 anos de vigência. A MP passou a valer imediatamente, mas ainda terá que ser votada pelo Congresso em até 120 dias para que o Auxílio Brasil se torne definitivo.

Estrategicamente lançado próximo ao ano eleitoral, não é difícil entender qual a intenção de Bolsonaro: desvincular o nome da oposição como ponto motor de uma das mais importantes políticas assistencialistas do Brasil e colher os bônus do ideal do programa, que desde sua criação mostra impacto positivo na redução da pobreza e da pobreza extrema, diminuição a mortalidade infantil, aumento da participação escolar, redução da desigualdade regional do país e  melhoria dos indicadores de insegurança alimentar entre as classes mais pobres¹.

Sobre o processo de tramitação da PEC dos Precatórios no Congresso, o projeto foi aprovado pela Câmara de Deputados em novembro, em seguida, aprovado pelo Senado, que realizou propostas de alteração em relação ao projeto inicial e retornou novamente ao plenário, que aprovou o texto base na última terça-feira (14/11/2021), com 327 votos a favor, 147 contra e uma abstenção. Pontos de concordância entre a Câmara e o Senado já foram promulgados e aspectos remanescentes do projeto precisarão ser votados em 2º turno.

Nessa última votação, seis partidos deram ao menos 90% dos seus votos a favor da PEC, foram eles: Partido Progressista (PP), Solidariedade, Partido Social Democrata (PSD), Partido Liberal (PL), Republicanos e Pros. Já Partidos como Avante, Democratas (DEM), Patriota, Partido Social Cristão (PSC), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Social Liberal (PSL) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentaram uma porcentagem de aprovação inferior a 90%, mas correspondente à maioria de seus representantes, indispensável para a aprovação do projeto².

Podemos mencionar importantes aspectos do projeto que foram alterados pelo Senado e aprovados na Câmara, em relação ao projeto original da PEC, entre eles: obrigatoriedade de destinação dos recursos obtidos a programas de transferência de renda, saúde, previdência social e assistência social, além de uma lista de prioridades para a realização do pagamento dos precatórios, cumprindo com o teto, que prioriza obrigações definidas em lei como de pequeno valor e precatórios de natureza alimentícia. O pagamento dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) foi retirado do limite de gastos estabelecido³.

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Com a aprovação desse teto para o pagamento de precatórios, estima-se que o saldo orçamentário disponível seja de aproximadamente 106,1 bilhões, segundo Ministério da Economia. Desse montante, detalhe é que apenas parcela será destinada ao novo Auxílio Brasil. A pergunta que todo cidadão deveria fazer é o que será feito com o restante da verba e se a cláusula de obrigatoriedade de vinculação social do dinheiro dos precatórios será suficiente para evitar que ele seja desviado para manobras políticas, como o "orçamento secreto".

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O sistema político brasileiro é permissível, em termos legais, às prerrogativas constitucionais que desenham as particularidades do cenário político brasileiro. Mas, o que prepondera em termos de governabilidade? O presidencialismo de coalizão (ABRANCHES, 1988) ou a coalizão clientelista de governo, segundo a concepção "é dando que se recebe" (LEAL, 2012), são termos que podem ser atribuídos ao modelo de negociação predominante. Essas duas formas de "governabilidade", se é possível separá-las conceitualmente na prática caracterizam a falta de autonomia do Legislativo e uma dominação do Executivo, por meio de um sistema de trocas de interesses.

A consequência dessa relação entre o Executivo e Legislativo é um modo de governar mais inclinado a interesses político-partidários, que tem por função última a permanência no poder e não propriamente um fazer político preocupado com a eficácia, eficiência e efetividade das políticas públicas, a fim de atender às demandas da sociedade. Exemplo disso é a PEC dos Precatórios no Congresso, responsável por garantir o fundo orçamentário ao Auxílio Brasil, que servirá para a candidatura de Bolsonaro em 2022, ou de quem lhe faça as vezes, a depender do "Partido Militar" informal.

Se houvesse, de fato, real preocupação com a manutenção e qualidade das políticas públicas e o atendimento às necessidades da população, era esperado que o governo não revogasse uma política tão importante quanto o Bolsa Família, mas o aprimorasse, com o reajuste do valor e a ampliação do número de beneficiados. O lançamento de um novo programa não era necessário e implica em um movimento político que poderia ser direcionado para a melhoria daquilo que já apresentava resultados positivos. Nesse sentido, a conhecida passagem "tudo deve mudar para que fique como está", do romance Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, aplica-se à essência do atual governo, mas não às suas políticas públicas.

Bolsonaro, no início de 2021, apoiou as candidaturas de Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Coincidentemente, a PEC dos Precatórios vem tramitando com certa agilidade em razão de articulação do presidente da Câmara e do Senado, que acordaram pela votação direta no plenário antes do projeto passar por comissões.

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A distribuição de 12,51 bilhões em emendas parlamentares, segundo o Portal da Transparência, firmou a aliança de Bolsonaro com o chamado "centrão", que pode ser traduzida, nesse contexto, ao apoio de partidos como Progressista, DEM, PL, entre outros, à PEC dos Precatórios. Esse tipo de "governabilidade", que atende a fins específicos e particulares, é exatamente o que mina a credibilidade e o equilíbrio da relação Executivo-Legislativo, sendo uma ferramenta bastante usada pelos políticos a fim de garantir a aprovação de seus projetos e a manutenção do poder, e que não tem nada de "novo" no funcionamento do sistema político brasileiro.

 Notas

¹ Mais detalhes sobre o assunto, conferir: CARRANÇA, Thais. 8 dados que mostram impacto do Bolsa Família, que chega ao fim após 18 anos. BBC News Brasil, São Paulo, p. 1-1, 29 out. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59099166. Acesso em: 15 dez. 2021

² Ver detalhes em: SPECHOTO, Caio. Saiba como votou cada partido e deputado na 2ª parte da PEC dos Precatórios. Poder 360, p. 1-1, 14 dez. 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/saiba-como-votou-cada-partido-e-deputado-na-2a-parte-da-pec-dos-precatorios/. Acesso em: 15 dez. 2021.

³ Conferir: CLAVERY, Elisa; BARBIÉRI, Luiz Felipe. PEC dos Precatórios: Câmara aprova texto-base em 1º turno com mudanças feitas pelo Senado: Política. G1, Brasília, p. 1-1, 14 dez. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/12/14/camara-aprova-mudancas-feitas-pelo-senado-na-pec-dos-precatorios.ghtml. Acesso em: 15 dez. 2021.

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Referências

ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de Coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 5-34, 1988.

NUNES LEAL, Victor. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 4. ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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