Foto do(a) blog

Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Sr. Presidente, rever opinião pode ser um sinal de virtude para a sua gestão

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Cassio França, é doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP, pesquisador do CEAPG (Centro de Estudos em Administração e Governo (CEAPG) da FGV EAESP e pesquisador visitante da London School of Economics and Political Science. É sócio da Trajetórias Planejamento e Desenvolvimento Institucional.

 

PUBLICIDADE

Desde Janeiro de 2020, o mundo foi levado a enfrentar a disseminação e os impactos causados pelo novo Coronavírus. Durante esse período, ampliamos o nosso léxico a fim de compreender conceitos como Distanciamento Social Isolamento Vertical, Isolamento Social, achatamento da curva quarentena etc. Esses conceitos surgem como forma de auxiliar a narrativa e sustentar cientificamente as estratégias que estão sobre o tabuleiro. Do ponto de vista da linguagem, estamos todos aprendendo novas distinções.

 

Somente com essas novas distinções podemos aderir ao debate e propor alternativas. Qual é o melhor momento para reabrir fronteiras, permitir aglomeração de pessoas, abrir escolas ou comércio? Essas são dúvidas legítimas, pois as respostas variam conforme o país ou a cidade que se habita.

 

Frente a tantas possibilidades para mitigar os danos, o caminho mais prudente é optar por medidas que vão na mesma direção do que a maioria dos cientistas defendem. Mais do que isso, o desafio do gestor público é reavaliar sistematicamente a sua decisão, à luz de novas informações que surgirem e, se necessário, rever a sua posição inicial. Em determinadas situações, mudar de opinião é uma virtude e não uma fraqueza dos gestores.

 

Se isso parece óbvio, por que o presidente do Brasil, segue defendendo o fim do isolamento social? Segue defendendo o caminho oposto ao da ciência? Para além dos cálculos políticos realizados com a ajuda de seus filhos, o presidente Bolsonaro não consegue discernir que ele está imerso a duas tendências extremamente prejudiciais à gestão pública: viés de confirmação (confirmation bias) e pensamento em grupo (groupthinking).

Publicidade

 

Ambas tendências se originam na forma como o nosso cérebro processa as informações necessárias para a tomada de decisão. Daniel Kahneman, psicólogo e prêmio Nobel de economia em 2002, em seu livro Thinking fast and slow[1], demonstra que um de nossos sistemas de pensamento processa informações com extrema celeridade. Os processos decisórios do nosso dia a dia são rápidos, automáticos e disparam associações em cascata que, em poucos segundos, são capazes de formar uma opinião sobre determinado tema. Esse fenômeno só é possível porque possuímos heurísticas, isto é, atalhos mentais que nos fazem formar opinião ou emitir juízos de maneira automática. As heurísticas facilitam muito o nosso cotidiano, sem elas a vida seria praticamente inviável. No entanto, elas também dão margem para gerar erros, preconceitos e generalizações sobre situações e pessoas. Falemos especificamente de dois erros cognitivos.

 

No primeiro caso, viés de confirmação, o objetivo final é interpretar os dados e informações de forma a favorecer as suas próprias crenças. O gestor não está interessado em escutar o contraditório, em ter acesso a informações derivadas de avaliações criteriosas, sua principal tarefa é confirmar aquilo que já pensa. Bolsonaro é a própria representação do viés de confirmação, ele discorda sistematicamente de todos que contestam a sua opinião e busca, incessantemente, argumentos que confirmam as suas crenças.

 

Essa mesma tendência, quando amplificada para um grupo de pessoas, dá origem ao que pode ser chamado de pensamento em grupo. Extremamente nocivo para as organizações em geral, e para uma presidência da república em particular, o pensamento em grupo é capaz dar prioridade à harmonia interna de um grupo em detrimento da adoção de um pensamento criterioso, baseado em evidências, que dê espaço para o surgimento do contraditório. No governo Bolsonaro, o chamado grupo ideológico partilha dos mesmos valores e esse grupo é visto como algo vital para a sua gestão. Não convém, portanto, criar divisões internas nessa célula, o que o leva a refutar qualquer ideia que vá de encontro àquela "inteligência".

Viés de confirmação e pensamento em grupo são tendências, ou erros, comuns nos bastidores das organizações[2]. Por serem comuns, muitos pesquisadores têm se debruçado sobre formas de reverter seus efeitos danosos, seja desse mal ou de outros que afligem o sofrimento psíquico nas organizações[3].

A seguir, seguem algumas práticas que podem contribuir para que as organizações saiam desse ciclo vicioso:

Publicidade

 

  1. Duvide de suas próprias convicções. A presunção do saber é mortal para o conhecimento. Faça perguntas! O filósofo Nietzsche declarava que quanto mais seguros estamos do nosso pensamento, menos abertos estamos para o conhecimento.
  2. Qualifique o seu interlocutor. Reconheça-o como um ser legítimo em sua forma de pensar e autônomo em sua forma de agir.
  3. Pratique uma escuta ativa: reconheça que sempre haverá uma distância entre o que você escuta e o que o outro quis dizer. Faça gestão para diminuir essa distância. Entender o ponto de vista do seu interlocutor, é, sem dúvidas, uma forma eficaz para dotar as organizações de pensamento crítico e complementar.
  4. Ao falar, aprenda a diferenciar fatos de juízos. Estes últimos não são verdadeiros ou falsos, são apenas interpretações que fazemos do mundo. Quando o gestor considera que o seu juízo é única interpretação possível sobre os fatos, estamos diante um erro cognitivo.
  5. Por fim, a diversidade na composição das equipes de trabalho não surge como tendência em função apenas de um compromisso moral dos gestores, a diversidade é chave no processo de ampliação do conhecimento.

 

As sugestões acima só têm alguma serventia quando as organizações desejam definir caminhos de transformação que as conduzam a aumentar a efetividade de suas ações. Infelizmente, esse não parece ser o caminho adotado pelo Presidente da República. Até o momento, aquele que pensa diferente tem sido qualificado como antipatriota e a diversidade não parece ser um valor a ser preservado.

 

Convém a esse Presidente apostar na ciência, tomar decisões baseadas em evidências, valorizar a diversidade e compreender que rever uma opinião pode ser uma virtude, e não um defeito.

 

 

[1] Kahneman, Daniel. Thinking, Fast and Slow. London: Penguin, 2012.

[2] https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/humanizando-a-maquina-publica-licoes-da-pandemia-para-a-gestao-de-pessoas-nos-governos/

Publicidade

[3] https://medium.com/@rogeriorsilva/covid-19-e-sofrimento-ps%C3%ADquico-nas-organiza%C3%A7%C3%B5es-como-manejar-c7b29131b40c

 

 

 

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.