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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Situação de emergência, governança da crise e proteção da democracia

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Por Redação
Atualização:

 

Magna Inácio, Cientista Política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Suely Araújo, Urbanista e advogada, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, ex-presidente do Ibama (governo Temer).

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Fábio Feldmann, Advogado, deputado federal por 3 mandatos, ex-secretário de meio ambiente do Estado de São Paulo (governo Covas).

 

Uma pandemia como a provocada pela Covid-19 torna imperativo um modelo de governança capaz de produzir e coordenar, em caráter de urgência, as respostas governamentais a crise de tamanha gravidade. Legislações de emergência são pilar decisivo na modelagem dessa governança.  São elas que realinham o marco jurídico-constitucional para que ações efetivas e tempestivas possam responder à dinâmica da pandemia. Mas são elas, também, que devem perseguir o equilíbrio necessário entre o interesse público moldado pela crise e os direitos de grupos específicos e indivíduos. Esse ponto não é trivial se considerarmos que as legislações de emergência requerem fast-tracked decisions, mediante alguma flexibilização dos processos legislativos e inovações regimentais. Inevitavelmente, isso altera as condições de participação dos legisladores e também da sociedade. São ajustes necessários, mas que devem ser apoiados em cautela para evitar retrocessos e em salvaguardas que assegurem o foco exclusivo na emergência e sua excepcionalidade temporal.

 

Tem ocorrido uma diversidade de respostas institucionais à crise da Covid-19 no mundo. O quadro de colaboração entre os países vinha sendo a regra, mas a competição começa a emitir sinais perigosos nos últimos dias. No âmbito de cada país, a preocupação é que a crise, em vez de promover a ação concertada das governos, partidos e sociedade civil, abra espaço para unilateralismo presidencial. Não por acaso, líderes populistas têm acelerado a marcha em direção ao autoritarismo, como vimos nas últimas semanas na Hungria e Polônia. A luta deve ser oposta a isso, pelo reforço da democracia, afastando medidas que centrem poderes em demasia no Poder Executivo ou incluam nas regras excepcionais decisões sobre temas alheios à crise.

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O Congresso brasileiro, por meio das suas duas casas, tem assumido protagonismo fundamental na construção da governança da crise no Brasil, cujos desafios são agravados diante da inação e sinalizações inaceitavelmente contraditórias do Poder Executivo. Com os conflitos internos no Executivo, o Supremo Tribunal Federal também tende a ganhar espaço nas próximas semanas.

 

Com celeridade, o Congresso Nacional aprovou a emergência em saúde pública e o estado de calamidade, bem como a garantia de renda mínima para a população mais carente, e está trabalhando em outras medidas de mitigação dos efeitos da pandemia no país. Para isso, mudanças processuais foram realizadas. O imperativo de isolamento social resultou na adoção de deliberação remota, antecipando provavelmente em vários anos uma sistemática de decisão totalmente baseada em tecnologia da informação.

 

O rito de tramitação das medidas provisórias foi abreviado, com supressão da fase da comissão mista autorizada pelo STF, e a adoção de orçamento segregado, via emenda constitucional, está em debate. Nesse quadro, é compreensível haver ajustes procedimentais, mas ritos céleres não podem ser usados para sufocar o dissenso que é inerente à democracia. Necessita ser afastado todo tipo de oportunismo político. Além disso, a introdução de pautas não-emergenciais em busca das facilidades dos ritos excepcionais de tomada de decisão requer vigilância ostensiva por parte dos legisladores e da sociedade. Como eventualmente justificar, por exemplo, a votação nesse momento tão complicado de iniciativas como a Medida Provisória nº 910, de 2019, com conteúdo altamente polêmico com relação à regularização de ocupações em áreas públicas? Propostas como essa "MP da Grilagem" serão votadas mediante o rito excepcional? Não ficou claro ainda.

 

Exatamente porque o Congresso proativo tem sido pivotal na modelagem dessa governança, importa chamar a sua atenção para a construção de garantias e compromissos com a produção de legislação emergencial gerada por processo transparente e com conteúdo de qualidade, considerando as perspectivas técnica e jurídica. Como sabemos, isso só é possível se preservada a expressão do pluralismo de ideias e os procedimentos democráticos. Mesmo no quadro atual em que agilidade é atributo essencial, as garantias trazidas pela Constituição de 1988 nessa perspectiva necessitam ser observadas em absolutamente tudo o que for possível. Entrada em pauta de Emendas à Constituição, especialmente, devem ser reservadas àquilo que for considerado crucial a partir de amplo acordo com as lideranças partidárias, incluindo a minoria.

 

As escolhas do Congresso quanto às modalidades normativas e procedimentais precisam ser orientadas para promover o alinhamento responsável e proporcional da ordem constitucional e legal às demandas geradas pela crise. A gravidade da crise certamente tende a ser corrosiva do tecido social e consequente, gerar ebulição de conflitos em todo o país. A pressão por antecipação e regulação dessas demandas e conflitos será permanente enquanto durar a emergência. Por isso, a agenda legislativa deve focar exclusivamente a pandemia e seus efeitos, sem esquecer que, mesmo com as limitações associadas à crise, o Legislativo necessita manter vivo, também, o oversight, o controle sistemático da atuação do Executivo.

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Momentos de crise são também momentos de aprendizado. Essa é uma janela ímpar para que o Congresso Nacional reconstrua os seus vínculos com os brasileiros, ao se mostrar capaz de solucionar problemas que os afligem com rapidez e olhar para o coletivo. Mas é também uma oportunidade singular para renovar o compromisso do Legislativo com o pluralismo e com processos decisórios transparentes no enfrentamento da emergência, pautados pelo espírito de nossa Carta Política. O sucesso do Legislativo nessa perspectiva tem relação direta com o futuro da democracia no país.

 

 

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