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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Sem implementação não há solução

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Por Redação
Atualização:

Gabriela Lotta Professora da EAESP-FGV e Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB)

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Lauro Gonzalez Professor da EAESP-FGV e Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.

A pandemia que tragou o mundo nos últimos meses criou inúmeros focos de crise que se espalham por praticamente todas as áreas. A porção mais visível dos problemas relaciona-se à saúde e aos efeitos econômicos da crise. Entretanto, o desenrolar dos acontecimentos traz indagações sobre diversas outas esferas, como o ano letivo dos alunos, a saúde da população carcerária, a população em situação de rua etc.

O denominador comum à lista crescente de problemas é a exigência de respostas rápidas por parte do Estado. Nesse sentido, um efeito imediato da crise é colocar, ou recolocar, o Estado no centro das atenções. Além disso, em particular para aqueles que estudam burocracia e políticas públicas, o clamor social por celeridade nas ações de governo traz à tona uma preocupação central com a implementação das políticas estatais. Em termos leigos, os estudos sobre a implementação analisam como as diversas medidas formuladas pelo governo saem do papel e chegam à população. Será esse o desafio central das próximas semanas.

Há quase cinco décadas, dois autores americanos, Pressman and Wildavsky, publicaram um livro que já se tornou clássico na literatura nomeado: Implementação. O subtítulo do livro apresenta a problemática que guiaria as décadas seguintes de pesquisa: como as grandes expectativas em Washington viram cinzas em Oakland; Ou, por que é incrível que os programas federais ainda funcionem.

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Ao analisar as dificuldades de execução de um programa desenhado em nível central e as transformações que ele sofria quando chegava ao território, os autores demonstraram que o processo de implementação de políticas não é mecânico e pode ser responsável por alterar completamente os planos desenhados. A implementação é um processo complexo, imprevisível, repleto de ambiguidades e conflitos, cujo resultado raramente pode ser predeterminado. Embora invisível, porque ocorre dentro dos equipamentos públicos espalhados pelo país e ao nível da rua nas interações cotidianas entre burocratas estatais e cidadãos, a implementação é um momento repleto de incertezas e decisões, que podem tanto abrir espaço para inovações e criatividade, como para incapacidade de ação e fracasso de políticas.

A implementação é o coração das políticas e é nela que deveríamos concentrar boa parte dos nossos esforços de gestão se queremos que as políticas tenham resultados. No entanto, em tempos de pandemia, mais uma vez os atores políticos e sociais parecem estar mais preocupados em apresentar grandes planos e soluções do que em se atentar com a viabilidade de sua execução.

As décadas de estudos mostram que pensar a implementação apenas desde o gabinete é uma garantia de insucesso - tanto pelos conflitos que serão gerados na ponta, como porque planos perfeitos podem não fazer nenhum sentido no mundo real. Outro aprendizado é que planos precisam vir acompanhados dos recursos, qualificações e instruções necessárias. Ademais, para uma política pública dar certo, é necessário que ela seja desenhada em diálogo com os burocratas estatais que a implementarão; que ela considere as especificidades e diversidades dos territórios e dos públicos; que ela dê diretrizes ao mesmo tempo claras mas flexíveis para as necessárias adaptações ao nível da rua.

Em meio ao caos da pandemia, a viabilidade da implementação continua ocupando lugar secundário. Por exemplo, a aprovação pelo congresso de um programa de renda mínima emergencial para população vulnerável corre o risco de não chegar a quem precisa por falta de medidas adequadas de distribuição dos recursos. Perguntas sobre como liberar os recursos sem causar aglomerações ou ainda como selecionar os que estão fora do Cadastro Único permanecem abertas.

Na educação, o governo federal aprovou uma mudança emergencial mantendo a carga horária anual mas diminuindo dias letivos. Professores terão que dar aulas e atividades à distância para cumprir a carga. Mas como isso acontecerá? Como professores serão treinados, currículos redesenhados, aulas replanejadas? Como os alunos acessarão o material considerando o alto grau de exclusão tecnológica do país?

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Mesmo na saúde, prioridade indiscutível para aplicação dos recursos, a implementação tem sido problemática. Nos últimos dias foram editadas diversas medidas propondo alteração no funcionamento da atenção básica à saúde para atender pacientes com sintomas de coronavírus. No entanto, nas conversas com profissionais de unidades básicas de saúde, temos ouvido que não há máscaras disponíveis, que os profissionais estão sendo bombardeados com medidas que se alteram diariamente e que tem sido muito difícil, mesmo para aqueles que trabalham na área de saúde, filtrar informações verdadeiras das fake news.

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Todos estes exemplos mostram como a disputa pelos planos e medidas não é suficiente para garantir que as políticas se concretizem. As emergências decorrentes da escala do vírus chegam de forma avassaladora e escancaram a distância que separa formulações de gabinete e a efetiva implementação. Os desafios, obviamente, não desaparecerão no curto prazo e muito menos serão resolvidos em meio à crise atual. Mas é preciso começar a agir. Ouvir os atores que atuam na ponta, debater soluções viáveis, pensar recursos e procedimentos necessários para as ideias virarem ações concretas são as únicas formas efetivas de garantir respostas rápidas e, ao mesmo tempo, realistas para transformar a realidade e fazer diferença na vida dos que mais precisam. A implementação não é um problema. Ela é parte inerente da solução.

 

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