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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Sem home office para os servidores da linha de frente: o trabalho nas prisões em tempos de pandemia.

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Por Redação
Atualização:

Carlos Eduardo Lima é Agente Penitenciário do Estado do Paraná. Professor nas Faculdades Londrina. Doutorando em Administração na FGV/EAESP. Mestre em Administração pela Universidade Estadual de Londrina e Economista pela Universidade Estadual de Londrina

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Gabriela Lotta é Professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas;  coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB - FGV/EAESP) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM)

 

O sociólogo americano Everett Hughes (1897-1983) ficou conhecido por estudar profissões essenciais ao desenvolvimento e manutenção da sociedade, mas que remetiam à sujeira, contato com a contaminação e com a poluição, beiravam a moralidade duvidosa e detinham pouco prestígio. Hughes nominou esse conjunto de profissões de "trabalho sujo" (do inglês, dirty work), expressão que englobava profissionais do sistema funerário, cuidadores da área da saúde, policiais, agentes prisionais, entre outros.

Contextualizando o estudo do sociólogo atualmente, em face à proporção e acentuação nos casos de contaminação pela COVID-19, nota-se que grande parte das atividades essenciais é exercida por esse grupo de ocupações em todas as frentes, desde os cuidados preventivos, passando pela garantia de segurança até o último adeus aos que faleceram. Enquanto esses profissionais têm sua jornada de trabalho alterada, afastando-se de suas famílias, sujeitos a abalo emocional devido à insurgida rotina e o contato com ainda mais dor e sofrimento, o estigma ganha ares de ataque, como o triste e emblemático caso de Brasília, no último 1º de maio. Neste dia, profissionais de saúde, em sua maioria, funcionários públicos municipais, estaduais e federal, e cujo home office não lhes foi oferecido como opção, foram verbalmente atacados e hostilizados durante uma homenagem aos trabalhadores da saúde.

Já no caso dos profissionais do sistema penal brasileiro, a sujeira não se origina do trabalho com o que é poluído, mas do contato com uma população estigmatizada pela sociedade, o que reflete na estigmatização da própria classe profissional. Os assassinatos da psicóloga Melissa Almeida de Araújo e de dois policiais penais federais no estado do Paraná, em 2017, a mando da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), expuseram nacionalmente uma realidade de precariedade, invisibilidade e violência já vivenciada no cotidiano de milhares de policiais penais nos contextos estaduais pelo país.

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Em tempos de pandemia, nota-se o agravamento de questões já conhecidas: o baixo efetivo para as atividades básicas, a superlotação, o sucateamento da estrutura e a falta de apoios diversos aos servidores. Enquanto há muitas incertezas e especulações ligadas à COVID-19, a única informação precisa é que o espaço físico das prisões representa um ambiente propício à infecção, uma vez que o número de casos entre apenados e funcionários das unidades penais não para de crescer.

Dentre os presos, na segunda-feira (11/05/2020), o painel de monitoramento do Departamento Penitenciário Nacional contava com 531 casos confirmados e 22 óbitos, um crescimento de 132% e 120%, respectivamente, no período de uma semana. Grande parte dos casos localizada nas regiões Centro-Oeste (369 casos), Nordeste (63 casos) e Norte (62 casos). O número de contaminados tem sido preocupante no Distrito Federal, no qual 1 a cada 6 exames positivos foi atribuído aos presos do complexo penitenciário da Papuda, 433 até 12/05/2020, segundo matéria do Jornal O Estado de São Paulo.

Diversos trabalhadores, agentes penitenciários e policiais penais dos estados do Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, Rio de Janeiro e do Distrito Federal já testaram positivo para a COVID-19. Profissionais da saúde que atuam no sistema penitenciário também foram contaminados em Santa Catarina e São Paulo. De acordo com Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP), só o estado atingiu o número de 100 funcionários confirmados com o novo vírus e mais 69 casos constam como suspeitos, números que aumentam diariamente. Ainda, segundo o sindicato, o quadro é grave e a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) não tem seguido os protocolos do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde para o ambiente prisional.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) destacava que o número de profissionais (efetivos, temporários e comissionados) vinculados ao sistema prisional brasileiro passava de 108 mil, no ano de 2016. O quadro é composto por profissionais da enfermagem, médicos, psicólogos, assistentes sociais, policiais civis e militares, pedagogos, professores e assistentes administrativos. Contudo, a maior parte do efetivo é composta por agentes penitenciários/policiais penais, cerca de 75% desse grupo de profissionais, que realizam contatos constantes com os presos.

Sobre esse grupo de trabalhadores, dados de uma pesquisa inédita conduzida pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), realizada com 266 policiais penais de todas regiões do país, revelou que:

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?      mais da metade não se sente preparada para lidar com a crise atual da COVID-19 e afirma não ter recebido os equipamentos necessários para enfrentar a situação;

?      dos respondentes, 91,35% afirmaram não ter recebido treinamento algum e mais da metade afirmou que a crise atual mudou sua rotina de trabalho e a relação com os presos;

?       das mudanças citadas na rotina, destaca-se a redução de efetivo, que implica em aumento da carga de trabalho para os que ficam, bem como aumento do estresse e pânico;

?       mais de 70% dos respondentes afirmaram não receber suporte do estado ou de seus superiores para enfrentar a crise.

Os dados apresentados geram maior preocupação tendo em vista que o Instituto Alberto Luiz Coimbra, ligado à Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ), demonstrou em uma pesquisa que a possibilidade de um policial penal ser contaminado pelo novo coronavírus é de 83%, o maior índice de risco entre todos os profissionais da segurança pública.

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Além dos riscos associados à doença em si, a crise também tem traz para estes profissionais outros riscos relativos ao clima dos presídios. Com a restrição de visitas e recebimento de produtos externos, o ambiente prisional tem ficado cada vez mais tenso, colocando os agentes prisionais em riscos decorrentes de rebeliões, como ocorrido há alguns dias em Manaus (AM).

Sabe-se que o sistema prisional brasileiro está sujeito a uma série de problemas complexos, como já relatado nesta coluna há alguns dias, que demandam mudanças estruturais profundas no sistema e na sociedade. No entanto, os cuidados com os agentes penais frente à pandemia deveria ser encarado como prioridade máxima dos governos, não apenas pelo potencial catastrófico que a falta de cuidados imprime, mas também pela factibilidade de algumas soluções que dependem, apenas, de decisão política.

Algumas sugestões e exemplos podem orientar políticas para a condução de soluções a todos os envolvidos no trabalho em instituições penais, dentre as quais:

  • buscar junto às demais secretarias e atores públicos desenvolver políticas intersetoriais que visem à prevenção antecipada da contaminação e sua propagação nos ambientes prisionais;
  • os números de detecção entre os presos do Distrito Federal só foram possíveis devido aos testes em massa realizados na população carcerária, logo, a mesma atenção deve ser dada aos demais presídios do país, no intuito de não negligenciar a saúde dos presos nem dos trabalhadores;
  • distribuir e acompanhar o uso dos equipamentos de segurança individual de qualidade e em quantidade satisfatórias para os profissionais que realizam contato com os presidiários;
  • avaliar a possibilidade de alteração de rotinas de trabalhos e horários no período de pandemia no intuito de reduzir o trânsito de agentes entre as unidades e o meio externo;
  • viabilizar alternativas que possibilitem o isolamento dos policiais penais contaminados durante a pandemia para que não haja contaminação do trabalho para suas famílias e vice-versa.

Iniciativas como estas são de solução fácil e imediata e já ajudariam a diminuir os riscos aos quais estes profissionais ficam expostos e, acima de tudo, os riscos de se tornarem vetores de contágio para suas famílias e para os presos.

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Mais do que nunca é necessário adotar medidas de proteção a esse grupo de funcionários públicos, tradicionalmente invisíveis e estigmatizados. No momento de pandemia, as palmas, carinhosamente oferecidas pela população, serão bem-vindas, mas tampouco serão suficientes para evitar uma verdadeira catástrofe entre um número de trabalhadores cuja rotina de trabalho já inclui a possibilidade de não voltar para casa vivo.

 

Este artigo é fruto dos debates no âmbito do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB FGV-EAESP) coordenado pela professora Gabriela Lotta.

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