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"Segue o Pix": as emendas parlamentares e o projeto de orçamento para 2022

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Por Redação
Atualização:

Elaine Cristina de Oliveira Menezes, Doutora em Sociologia Política (UFSC). Professora Adjunta do Curso de Administração Pública e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Federal do Paraná. Membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

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Graziela Luiza Meincheim, Mestranda em Administração na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (ESAG) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Não há dúvidas sobre a importância da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o país, pois ela materializa as políticas públicas essenciais à população que, por sua vez, permitirão o acesso aos direitos e garantias fundamentais arrolados na Constituição Federal (CF). Para tanto, precisamos nos atentar à forma como se dá a alocação dos recursos públicos nessa Lei, cujo acompanhamento e controle devem iniciar já na elaboração, passando pela aprovação, bem como durante a sua execução. A LOA é uma lei de iniciativa anual do Poder Executivo, mas deve ser aprovada pelo Poder Legislativo [1], após a apreciação pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, criada com representantes da Câmara e do Senado.

É neste momento, da passagem do projeto pela análise e aprovação pelo Poder Legislativo, que os parlamentares podem apresentar emendas, que são proposições ou alterações na proposta de orçamento encaminhada pelo Executivo. Existem quatro tipos de emendas que podem ser feitas ao orçamento: individual, de bancada, de comissão e da relatoria. As emendas individuais são de autoria de cada senador ou deputado.

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As emendas coletivas podem ser de autoria das bancadas estaduais ou regionais, ou emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado, bem como as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas. Há ainda as emendas do relator, que são feitas pelo deputado ou senador escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento e as emendas dos relatores setoriais, destacados para dar parecer sobre assuntos específicos divididos em áreas temáticas do orçamento.

Trata-se de um contexto em que as emendas parlamentares têm protagonizado alguns debates acerca do orçamento público, ao passo que merecem o nosso acompanhamento sobre as prioridades/critérios que serão basilares para o processo de alocação de recursos. Neste ínterim, o artigo em tela busca trazer ao debate discussões sobre os encaminhamentos que têm sido dado às emendas parlamentares no orçamento do Governo Federal, com destaque para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2022.

É oportuno destacar que as emendas parlamentares devem observar regras e limites definidos no próprio texto constitucional, principalmente as dispostas no art. 166, § 3º [1]. Outro ponto importante é que, até 2015, as emendas inseridas na LOA tinham apenas caráter autorizativo. A partir da Emenda Constitucional (EC) n. 86/2015[2], as emendas parlamentares individuais passaram a ser impositivas, ou seja, de execução obrigatória dentro do exercício financeiro pela qual foram aprovadas.

A EC n. 86/2015 estabeleceu, também, o limite a ser destinado às emendas individuais, que equivale a 1,2% da Receita Corrente Líquida prevista no PLOA. Metade deste percentual deve ser destinada às ações e aos serviços públicos de saúde. Já em 2019 foi promulgada a EC n. 100/2019 [3], que acrescentou a obrigatoriedade de execução de mais uma parcela do orçamento, agora indicada pelas emendas de bancadas dos estados e do Distrito Federal, no valor de até 1% daReceita Corrente Líquida realizada no exercício anterior.

Ambas as Emendas à Constituição, n. 86/2015 e n. 100/2019, representam, por um lado, o aumento do poder dos parlamentares, pois garantem uma fatia do orçamento público, bem como a execução obrigatória das emendas apresentadas, possibilitando o direcionamento desses recursos ao atendimento de seus interesses eleitorais. Por outro lado, em tese, pode haver uma diminuição do poder de barganha do governo, uma vez que a liberação de recursos para emendas parlamentares enquanto moeda de troca no jogo político entre Congresso e Planalto perde forças, mas sem clareza do resultado efetivo do processo [4].

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Olhando de forma particular os números, percebemos que desde a edição da EC n. 86/2015, que criou o orçamento impositivo, o valor do orçamento do Governo Federal aplicado em emendas parlamentares tem crescido em progressão geométrica.

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A Tabela 1 demonstra que, embora o número de emendas apresentadas não tenha se alterado significativamente ao longo do tempo, os valores autorizados mais do que dobraram de 2019 a 2021. Em relação às emendas de bancadas, acredita-se que a evolução tenha sido em função da EC n. 100/2019, que tornou obrigatória a execução dessas emendas. Todavia, o aumento de valor mais expressivo neste período, refere-se aos recursos direcionados às emendas do relator geral, a chamada caixa-preta do orçamento, em que não há discriminação alguma sobre a forma como se dará a aplicação dos recursos públicos.

Tabela 1. Emendas em 2019, 2020 e 2021

 Foto: Estadão

Fonte: Siga Brasil (2021) [5]

Já no Orçamento para 2022, o Poder Executivo reservou R$16,2 bilhões para as emendas impositivas, mas os deputados e senadores têm pressionado no sentido de ampliar para 112,4 bilhões de reais [6]. Esses recursos públicos seriam nas modalidades individuais, de bancada e de comissões, e direcionados para financiar obras e serviços nos redutos eleitorais dos respectivos deputados e senadores. O valor de R$112,4 bilhões é sete vezes superior ao valor que havia sido reservado, representando um aumento de 139% em relação à proposta de 2020. Desse total, R$3,3 bilhões serão direcionados às transferências diretas [6].

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Cumpre esclarecer que não se pretende com o presente artigo "demonizar" o Legislativo e suas emendas parlamentares. Primeiro, pelo fato de as emendas estarem respaldadas em lei. Segundo, por representarem importante fonte de financiamento para os entes subnacionais, que têm sofrido cada vez mais com a escassez de recursos públicos frente às demandas crescentes da população.

O que se pretende aqui é chamar a atenção para questões como critérios alocativos, prioridades na destinação dos recursos e ausência de obrigação de prestação de contas para determinadas destinações. Outra questão a ser pontuada é a ideia de que apenas a indicação de uma dotação global, como é o caso da emenda do relator, fere o princípio orçamentário da discriminacão ou especialização [7], bem como o princípio da transparência, incorporado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) [8]. Há a necessidade de acompanharmos de perto essas práticas alocativas, possivelmente disfarçadas à luz daquilo que já dizia Raymundo Faoro: "vinho novo em odres velhos".

O debate acerca das pressões exercidas pelos parlamentares na aprovação das emendas do PLOA 2022 reforça a necessidade de termos: indicadores consistentes de acompanhamento dos gastos públicos; mecanismos de avaliação de como os parlamentares aplicam os recursos das emendas;  e, por fim, quais os resultados produzidos por esses recursos. O momento demanda um esforço conjunto no sentido de criarmos critérios alocativos eficientes para os governos, inicialmente na proposta originária no âmbito do Poder Executivo e, na sequência, na discussão/aprovação no âmbito do Poder Legislativo [9]. Nesse contexto de governança frágil é preciso que a sociedade esteja atenta.

Notas

[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 24 nov. 2021.

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[2] BRASIL. Emenda Constitucional n. 86, de 17 de março de 2015. 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc86.htm Acesso em: 24 de nov. 2021.

[3] BRASIL. Emenda Constitucional n. 100, de 26 de junho de 2019. 2019. Altera os arts. 165 e 166 da Constituição Federal para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc100.htm#art1 Acesso em: 24 nov. 2021.

[4] VOLPE, R. A. O papel das emendas parlamentares no presidencialismo de coalizão: análise da execução antes e após o Orçamento Impositivo (EC 86/2015). Cadernos Aslegis, n. 56, p. 83-118, 2019.

[5] SENADO FEDERAL. Siga Brasil. Disponível em: http://www9.senado.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=senado%2Fsigabrasilpainelcidadao.qvw&host=QVS%40www9&anonymous=true&Sheet=SH14. Acesso em: 25 nov. 2021.

[6] WETERMAN, D. POMPEU, L. Congresso amplia em quase 140% a previsão de emendas para 2022. Estadão. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-amplia-em-quase-140-a-previsao-de-emendas-para-2022,70003906884?utm_source=estadao:app&utm_medium=noticia:compartilhamento. Acesso em: 25 nov. 2021.

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[7] GIACOMONI, J. Orçamento público. São Paulo: Atlas, 2012.

[8] BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm  Acesso em: 25 nov. 2021.

[9] COMISSÃO EUROPEIA. Medium-term budgetary framework. 2020. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/indicators-statistics/economic-databases/fiscal-governance-eu-member-states/medium-term-budgetary-framework_pt. Acesso em: 24 nov. 2021.

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