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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Sars-CoV-2 em MT: apenas um dos agentes de adoecimento e morte

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Por Redação
Atualização:

Juliana do Couto Ghisolfi, Doutora em Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCP/UFRGS), Professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)

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O ano de 2020 foi atípico, especialmente no Brasil, que enfrenta uma pandemia sob a batuta de um governo que renega a ciência, norteando decisões de governadores, prefeitos e cidadãos. No caso do Estado do Mato Grosso, inicialmente o governador Mauro Mendes (DEM) editou decreto estabelecendo medidas como a suspensão das aulas presenciais em escolas estaduais e a criação de um gabinete para acompanhar a pandemia.

O histórico dos decretos revela a influência do presidente em atos do governo estadual:

- Decreto 432, de 31/03/2020: estabelecia que os municípios deveriam acatar as orientações do governo estadual que, por sua vez, correspondiam aos comandos do presidente da república, que recomendava o chamado "isolamento vertical", restrito apenas às pessoas consideradas grupo de risco. A Procuradoria Geral do Estado recorreu, e assegurou autonomia para que prefeituras estabelecessem as próprias medidas de resguardo.

- Decretos 522, de 12/06/2020 e 532, de 24/06/2020: estabelecem critérios de classificação de risco nas regiões do Estado, como casos ativos, ocupação hospitalar e novos casos confirmados. O decreto 522, ainda vigente, determina o uso de máscara em locais públicos, e o distanciamento de pelo menos 1,5 metros entre os clientes em estabelecimentos comerciais.

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- Decreto 573, de 23/07/2020: no pico da pandemia no Estado, incluiu academias, salões de beleza e barbearias entre as atividades essenciais, em consonância com o decreto presidencial 10.344, de 11/05/2020.

- Decreto 655, de 25/09/2020: autorizou a reabertura de bares, restaurantes, teatros e cinemas, com limite máximo de 50% da capacidade para público sentado.

- Decreto 783, de 14/01/2021: responde à escalada de novos casos e óbitos no Estado, e suspende shows e eventos por 45 dias.

Diante do quadro da COVID-19 no Estado, o governador manteve em 2021 a suspensão das aulas 100% presenciais, e estabeleceu um sistema "híbrido". No dia 01/02/2021, o governador e diversas prefeituras no Estado suspenderam os feriados e proibiram festas de carnaval.

O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), manteve, de março a maio de 2020, medidas rígidas, como o fechamento de atividades não essenciais e shoppings. Em junho, sob forte pressão do empresariado (e em ano eleitoral), reabriu o comércio. Como resultado, ocorreu aumento de casos confirmados e de óbitos. A capital chegou a ter 100% das UTIs ocupadas, pois atende à população de municípios do interior. No dia 15/02/2021, seis hospitais em MT colapsaram, incluindo o Hospital Universitário Júlio Muller, da UFMT, e outros quatro no interior do Estado - o que implicará na remoção de pacientes para a região metropolitana de Cuiabá.

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O pico de casos confirmados foi entre as semanas epidemiológicas 25 e 36 - de 14/06 (exatamente duas semanas após a reabertura do comércio e dos shoppings em Cuiabá) a 30/08. A partir da semana 37 até a semana 44 (entre 06/09 e 25/10) houve uma queda no registro de novos casos, que voltaram a subir em novembro. Em 03/02/2021, o Estado registrou 2.135 novos casos confirmados de COVID-19, o maior número desde agosto de 2020.

Gráfico 1. Distribuição de casos

 Foto: Estadão

Fonte e elaboração: SES-MT. Painel Informativo 350, de 21/02/2021.

 

Gráfico 2. Evolução óbitos por Covid-19 (MT)

 Foto: Estadão

Elaborado pela autora, a partir de dados da SES-MT.

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A linha pontilhada indica a Média Móvel do número de óbitos em MT.

No início de novembro de 2020 o Brasil enfrentou um "apagão" dos dados da COVID-19, o que pode ter deixado autoridades sanitárias e a imprensa sem condições de alertar sobre a realidade da pandemia. Agora, a posteriori, é possível constatar que a subida de casos coincide com as campanhas eleitorais.

Após as eleições, seguiram-se as festas de fim de ano, e, nesta última semana, o carnaval, com flagras de aglomerações e eventos clandestinos. O resultado aparece nos dados da SES-MT sobre óbitos por COVID-19: um salto quase vertical, indicado na média móvel do gráfico 2. De 01/01/2021 a 21/02/2021, morreram 1095 pessoas com COVID-19 em Mato Grosso.

Em Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) foi reeleito com 51,15% dos votos, contra 48,85% de votos obtidos por Abílio Brunini (PODE), candidato alinhado ao presidente.

Para ilustrar o grau de alinhamento de Brunini a Bolsonaro: Brunini era neto de importante pastor da Assembleia de Deus. Em junho, com seu avô e seu tio internados com COVID-19, Abilio Brunini apelou para que eles fossem tratados com o chamado "kit covid" (cloroquina/ hidroxocloroquina, azitromicina e ivermectina). Ambos faleceram em julho de 2020, e o sepultamento do patriarca provocou aglomeração de mais de 5 mil pessoas, no auge da pandemia.

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Jair Bolsonaro obteve 66,9% dos votos no segundo turno de 2018 em Cuiabá. A derrota do candidato bolsonarista na capital de um Estado ruralista pode surpreender. Contudo, Bolsonaro elegeu apenas dois dos candidatos aos quais declarou apoio em 2020. É possível que o desempenho do presidente frente à pandemia tenha afetado negativamente candidatos "colados" à sua imagem.

Mato Grosso recebeu 137.160 doses da Coronavac, do Instituto Butantã, e 24 mil doses da Vacina Oxford/ Astra Zeneca, da FIOCRUZ. O montante permitiria a vacinação de cerca de 80% dos trabalhadores da saúde no Estado. Na capital, a meta era vacinar 23 mil trabalhadores da saúde, mas 20% desses profissionais não se vacinaram. A campanha de vacinação foi paralisada na capital em 16/02, porque acabaram as doses disponíveis. Ainda não há previsão de quando será retomada a vacinação.

A SES-MT segue as diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Imunização, divulgado pelo Ministério da Saúde. As vacinas foram distribuídas a todos os municípios de MT, destinadas a profissionais da saúde, idosos e indígenas aldeados. Quilombolas foram retirados do Plano Nacional pelo próprio Ministério, mas representantes de comunidades remanescentes de quilombos pressionam o governo estadual para que sejam reintegrados a esta primeira etapa da vacinação, como previsto originalmente.

A indefinição sobre a retomada do auxílio emergencial levará milhões de brasileiros às ruas, em busca de trabalho. Com um presidente que difunde mentiras, como a recomendação de medicamentos ineficazes e a difamação de vacinas, é difícil exigir que a população adote medidas básicas como o uso de máscara e o distanciamento social. Sem vacinação em massa, as perspectivas para Mato Grosso e para o Brasil, na saúde e na economia, não são animadoras.

O Sars-Cov-2 não é o único agente de adoecimento no Brasil. O descaso e as mentiras de governantes, e o desespero da população, também matam.

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Referências:

Fernandes, Eduarda. Pastor Sebastião está na UTI e família pede uso da cloroquina. Disponível em: https://www.leiagora.com.br/noticia/82705/pastor-sebastiao-esta-na-uti-e-familia-pede-uso-da-cloroquina Acesso em: 18/01/2021.

G1 - Ciência e Saúde. Após apagão de dados, secretário diz que há indício de ataque aos sistemas do Ministério da Saúde. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/11/13/ministerio-da-saude-diz-que-ha-indicios-de-que-a-pasta-tenha-sido-alvo-de-ataques-ciberneticos.ghtml Acesso em: 18/01/2021.

G1 - MT Secretário diz que total de vacinas que chegaram devem imunizar 80% dos profissionais de saúde. Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2021/01/26/secretario-diz-que-total-de-vacinas-contra-covid-19-que-chegaram-em-mt-devem-imunizar-80percent-dos-profissionais-de-saude.ghtml Acesso em: 27/01/2021.

Jornal Estadão Mato Grosso. Profissionais da saúde "fogem" da vacina e perdem prioridade. Disponível em: https://www.estadaomatogrosso.com.br/pageflip/index.php?id=275#revista/page1 Acesso em: 29/01/2021.

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Lopes, Kessilen. 20% dos profissionais da saúde em Cuiabá ainda não tomaram a vacina contra a COVID-19 em Cuiabá.Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2021/02/18/20percent-dos-profissionais-da-linha-de-frente-da-covid-19-em-cuiaba-ainda-nao-tomaram-a-vacina.ghtml Acesso em: 21/02/2021.

Oliveira, Érika. (SECOM - MT) Mato Grosso inicia vacinação contra a COVID-19. Disponível em: http://www.mt.gov.br/-/16297239-mato-grosso-inicia-vacinacao-contra-a-covid-19-e-imuniza-10-trabalhadores-da-saude Acesso em: 19/01/2021.

Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. SES/ MT. Painéis Informativos números 299, 313, 318, 323, 324, 328, 329, 336, 350. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/informe/584 e em: http://www.saude.mt.gov.br/painelcovidmt2/ Acesso em: 21/02/2021.

Tribunal Superior Eleitoral. TSE. Estatísticas Eleitorais. Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais Acesso em: 19/01/2021.

*Este artigo faz parte de SANTANA, Luciana (org). V Série especial ABCP: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Site Associação Brasileira de Ciência Política: 08 a 12 de fevereiro de 2021.

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