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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Rondônia e as mais de mil mortes por Covid-19[i].

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Por Redação
Atualização:

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos: Doutora em Relações Internacionais pela UnB. Professora da Universidade Federal de Rondônia (DCS/DHJUS/UNIR)

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Márcio Secco: Doutor em Filosofia pela UFSC. Professor da Universidade Federal de Rondônia (DFIL/DHJUS/UNIR)

 

Na data de 08 de agosto o Brasil atingiu a negativa marca de mais de 100 mil mortes[ii] por Covid-19. Uma semana depois, no dia 14 de agosto, Rondônia compartilhava da pesarosa estatística registrando 1.001 mortes pelo novo coronavírus. Depois de cinco meses entre flexibilizações e isolamento social, informações confusas e desarticulação política no combate à pandemia, é difícil mensurar quantas vidas poderiam ter sido salvas, fazendo parecer que o discurso de naturalização da morte triunfou e que o Covid-19 e todas as suas consequências compõem o quadro da normalidade.

Os dados do Ministério da Saúde revelam que a região norte tem a maior taxa de mortalidade a cada 100 mil/hab. Dos sete estados que compõem a região, Roraima apresenta a taxa de 96,9 - a mais alta do país. A taxa em Rondônia é de 64,6. A explicação pode estar em dois fatores: precariedade do sistema de saúde e baixa adesão ao isolamento social aumentando o número de casos confirmados. A taxa de incidência da doença a cada 100 mil habitantes nos estados da região norte é de 2.913,9, também a mais elevada entre as regiões do país[iii].

Em Rondônia, não foram disponibilizadas informações sobre a raça, a renda, a profissão ou a área de moradia das pessoas que morreram devido ao Covid-19. Tais dados permitiriam verificar a hipótese de como a desigualdade social é fator de risco para a morte devido ao novo coronavírus, seja pela debilidade das políticas públicas e precariedade dos serviços de saúde ou pelas condições sanitárias de moradia e impossibilidade de isolamento social circunstanciada pela necessidade de trabalho, por exemplo.

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Até a data de 31 de agosto[iv], Rondônia registrou 1.148 mortes, das quais 60,5 % são de homens e 39,5% são de mulheres. A maior parte dos óbitos ocorreu na faixa etária de 60 a 79 anos, correspondendo a 46,7% do total, ainda que a maior parte dos casos confirmados estivessem concentrados na faixa etária de 30 a 49 anos, sendo 46,4% do total.  Dentre a população indígena há 980 casos confirmados e 19 óbitos. A maioria dos casos confirmados está localizada na cidade de Guajará-Mirim e as etnias indígenas mais atingidas foram a Cinta Larga e a Oro Nao, com 143 e 104 casos confirmados, respectivamente.

Apesar de as condições do sistema prisional em Rondônia serem apontadas como precárias e apresentar um alto índice de encarceramento, houve somente um óbito registrado em unidade prisional no município de Vilhena (Regional 3 - Centro de Ressocialização Cone Sul) diante dos 325 casos confirmados em todas as unidades prisionais.

A Universidade Federal de Rondônia, que tem as atividades de ensino presenciais suspensas desde março, também tem monitorado os casos confirmados e os óbitos entre servidores e alunos desde o dia 16 do referido mês. Os dados registrados até 24 de agosto revelam 403 resultados positivos e 4 óbitos.

Um novo contexto merece ainda ser destacado. A mudança do perfil da população atingida pela doença vai se consolidando. O que se iniciou como uma doença da classe média alta, residente em grandes cidades, aos poucos foi se tornando uma doença que afeta, de maneira crescente, as populações mais pobres e as cidades do interior. Esse dado pode ser notado em Rondônia. Quando consideramos o número total de óbitos desde o início da pandemia até 31 de agosto, a capital Porto Velho, que concentra praticamente um terço da população do estado, conta com 56,3% do total das mortes (646 de um total de 1.148). Contudo, se analisarmos somente os dados de 01 a 31 de agosto, o total de óbitos no período é de 267 e o interior do estado corresponde aproximadamente a 70% desses óbitos.  A proporção de óbitos no interior do estado preocupa por diversas razões. Uma delas é a situação precária da rede de atendimento à saúde em cidades do interior. A maior parte dos municípios de Rondônia não é atendida por UTI nem tem profissionais de saúde em número e especialidades suficientes para lidar com o aumento de casos ocasionados pela pandemia.

Na data de 31 de agosto, das 19 mortes registradas, 4 são em Porto velho e as demais no interior. Os municípios que apresentaram os outros casos são Cacoal (4) , Ji-Paraná (4), Alto Paraiso (2), Costa Marques (1), Guajará-Mirim (1), Jaru (1), Vilhena (1), Ariquemes (1) e Chupinguaia. Todos são municípios pequenos. As cidades maiores com população um pouco acima de 100 mil habitantes são Cacoal, Ji-Paraná, Vilhena e Ariquemes. Guajará-Mirim possui uma população aproximada de 46 mil habitantes e Chupinguaia pouco mais de 10 mil habitantes (est. IBGE, 2019). Lembrando-se, também, que em Guajará Mirim a população indígena tem sido afetada pelo Covid-19.

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A região norte relegada ao ciclo de vulnerabilidades e exploração entende seu número elevado de mortes como consequência de seus conflitos sociais, nos quais o processo de desumanização está mais uma vez presente. Por enquanto, não há resposta sobre a dimensão que o número de mortes pode atingir. Os casos ativos em Rondônia demonstram uma queda sugerindo que o primeiro pico da contaminação pode ter terminado.

 

Gráfico 1: Casos ativos em Rondônia de 20/03/2020 a 31/08/2020.

 Foto: Estadão

Fonte: Sesau-RO.

 

            Atualmente, a capital do estado, Porto Velho e mais 39 municípios estão na fase 3 de isolamento social. Na fase 3 não é permitido evento com mais de 10 pessoas, funcionamento de casas de show, bares e boates, bem como cinemas e teatros, balneários e clubes recreativos. Na área da educação ainda não é permitido cursos e atividades afins para pessoas menores de 18 anos, cursos profissionalizantes e de capacitação em instituições públicas, cursos e afins com mais de 10 pessoas.  As demais atividades de comércio estão liberadas respeitando-se as restrições sanitárias.

As regras de distanciamento e funcionamento de estabelecimentos, ainda que existam de maneira clara nos decretos publicados pelo governo estadual, parecem não ter atingido a opinião pública. Grande parte da população não tem ideia de qual seja a fase em que sua cidade se encontra e quais seriam, consequentemente, as medidas a serem adotadas e os comportamentos permitidos ou proibidos. Isso se deve, em grande medida, à falta de comunicação do governo com a população, à ausência de publicização e campanhas de conscientização das pessoas. Por outro lado, parece crescer o número de pessoas que, a despeito dos mais de mil mortos, acreditam que as medidas de prevenção deveriam ser flexibilizadas e a vida  retornar "ao normal".

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O estado realizou um total de 167.247 testes segundo dados disponibilizados pelo próprio governo. Ao todo foram registrados 55.153 casos confirmados até o dia 31/08, o que significa que aproximadamente 33% dos testados tiveram resultado positivo. Esse número é considerado alto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em países com alto índice de testagem os casos confirmados giram em torno de 5%. Dos testes realizados no Brasil, 31% deram positivos. A explicação é a baixa testagem com provável alto índice de subnotificações. O fato de Rondônia estar desde o dia 14 de agosto com boa parte dos municípios do estado (86,5%) nas fases 2 e 3, considerando a fase 4 a mais permissiva e a fase 1 a mais rigorosa, demonstra que, aos poucos, as mortes por COVID-19 começam a se tornar o novo normal e se juntam às demais mortes por doenças ou causas externas registradas nos obituários diários do estado.

Até o momento a situação traumática causada pela pandemia pelo novo coronavírus não parece ter sido suficiente para uma reflexão mais profunda sobre o papel do estado, sobre a infraestrutura deficiente da saúde pública, sobre as condições de moradia da população, sobre a situação dos povos indígenas ou mesmo sobre a necessidade de mudanças profundas na maneira como nos relacionamos com a política e com os nossos governantes.

 

[i] O artigo faz parte do projeto em parceria com a ABCP coordenado pela professora Luciana Santana (Ufal) intitulado: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia de covid19 no Brasil. Essa é uma versão revista e atualizada a partir de texto publicado no site da ABCP em 26/08/2020.

[ii] Segundo os dados do Ministério da Saúde, no dia 08 de agosto foram contabilizados 100.477 óbitos no Brasil por Covid-19.

[iii] A taxa é de 73,1 segundo dados do Ministério da Saúde de 31 de agosto de 2020. Ver: https://covid.saude.gov.br/

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[iv] Dados da Secretaria de Saúde do estado de Rondônia (SESAU-RO).

 

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