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Quem governa a política social nos municípios?

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Por Redação
Atualização:

Anderson Rafael Nascimento, Professor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional (UFPB), doutor em Ciência Política (Unicamp), pós-doutor em Gestão de Políticas Públicas (USP). Contato: anderson@ativacidade.com.br 

 

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A pergunta sobre "quem governa" mobiliza, desde os anos 60, autores da ciência política para compreender o processo decisório nas políticas públicas. Um importante livro sobre esse tema, escrito por Robert Dahl[i], nasceu de uma análise sobre o poder em uma cidade nos EUA, New Haven, no estado de Connecticut. Dahl em seu estudo compreendeu que grupos estão organizados, passam a se mobilizar e disputam o poder na cidade. Essa disputa não ocorre no poder como um todo, mas em setores e/ou áreas específicas de políticas. Portanto, a capacidade de influência desses múltiplos grupos determina a resposta sobre "quem governa".

Essa foi a gênese de uma importante escola de análise sobre o processo decisório chamada Pluralismo. O pluralismo nasce de uma análise crítica da visão elitistas para quem o governo local é uma correia de transmissão dos interesses dos grupos poderosos[ii]. Robert Dahl, autor central no pluralismo, denominou em trabalhos posteriores a chamada Poliarquia, para enfrentar as falhas conceituais da democracia, pois acolhe as diferenças da sociedade e reflete a vontade da população auto-organizada. Em resumo, a poliarquia se fundamenta em um método no qual múltiplos grupos disputam a capacidade de influência. Portanto, a análise daquela cidade serviu como microscópio para dar bases para a análise de fenômenos políticos mais amplos.

Estudos sobre pequenos municípios no Brasil também poderiam contribuir com essa visão microscópica sobre as relações de poder e as políticas públicas. Os estudos sobre o poder local no contemporâneo podem ensinar a compreender dinâmicas internas do poder e da estruturação de espaços públicos, bem como analisar como se dá a relação das atribuições municipais no sistema político mais amplo.

O conceito de poder local ainda se vincula ao tradicionalismo na hierarquia e divisão do poder, portanto, aproxima-se da análise elitista. Nessa forma de análise, a ideia de local é tomada como espaço de autoritarismo e mandonismo. A elite, nessa concepção, usa o Estado local em seu favor e conforme seus interesses particulares. Como parte dessa abordagem, o local era sempre visto como "atraso", e ao invés de promover o desenvolvimento, realizava o inverso.

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O Poder Central, por sua vez, é tomado como fonte de modernização, portanto como o oposto ao Local. Esse argumento fundamentou na história republicana brasileira um longo período intervencionista, exacerbado durante a ditatura militar. O período do Lulismo foi uma retomada da visão intervencionista a partir do governo central, mas dessa vez sob uma roupagem participativa, federativa e com priorização das políticas sociais. A consolidação de sistemas de políticas públicas foi uma característica dessa fase e gerou efeitos na ampliação e consolidação de setores de políticas públicas em estados e municípios. Mas, em que medida esse processo de centralização e consolidação de sistemas de políticas públicas afetou a dinâmica interna e plural do poder local?

Para saber se e como isso ocorreu, em meu recente estudo de pós-doutoramento em Gestão de Políticas Pública na Universidade de São Paulo[iii], trabalhei em duas perspectivas. A primeira foi uma análise dos efeitos da consolidação da política de assistência social na realidade de pequenos municípios, aqueles com até 50 mil habitantes. Na segunda perspectiva, entrevistamos prefeitos/as desses municípios para compreender suas percepções sobre os impactos desse processo de consolidação da política pública na dinâmica do poder local.

Por que escolhemos a política de assistência social como cenário do estudo? Essa foi uma área de política prioritária nos governos PT. O principal programa social desse período, o Programa Bolsa Família, esteve vinculado com essas políticas. Portanto, esse setor passou por forte indução federal para a consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Os 4.957 municípios com até 50 mil habitantes foram bastante impactados durante esse período, pois quase todos criaram equipamentos públicos e formaram equipes para o atendimento das demandas socioassistenciais. Além disso, a sistemática de financiamento da política de assistência, a partir dos repasses da União, permitiu uma relativa estabilidade financeira para a implementação dessas políticas. Ou seja, resumidamente, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), não sem críticas, pode ser encontrado nos pequenos municípios com programas, equipamentos públicos e servidores.

A política da assistência social foi escolhida também por ser representativa de uma área de atuação que ainda tem forte interesse privado, marcado principalmente pela caridade e filantropia. O primeiro damismo, movimento que atribui a esposa do prefeito o cuidado com os pobres da cidade, é a reprodução dessa continuidade. Por outro lado, o esforço de consolidação de uma política pública representa a busca de responsabilização para que o Estado passe a oferecer patamares comuns de cidadania, independente de onde o cidadão resida. Portanto, no contexto da política local, a assistência social se coloca como campo em disputa, pois pode possibilitar aos poderosos locais a manutenção de uma parcela da sociedade sob seu controle e, simultaneamente, passa a funcionar sob a lógica dos direitos.

Definidos o contexto teórico e o cenário de aplicação, a pesquisa entrevistou vinte e seis prefeitos/as[iv]de pequenos municípios, divididos entre as cinco regiões do país, para buscar entender quem governa a política social nos municípios. Na vertente pluralista, os prefeitos são atores centrais na análise do processo decisório do governo local, pois funcionam como catalisadores de diferentes grupos (coalizões) e podem direcionar recursos das políticas para beneficiar determinados grupos e interesses. Ou seja, o/a prefeito/a realiza o esforço para assumir um papel de articulador de sua coalizão de governo local que será resultante da soma das outras diferentes coalizões que se realizam no contexto específico de cada sistema de política pública.

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Os resultados das entrevistas podem ser analisados sob diferentes perspectivas. Contudo, de forma geral, podemos compreender, a partir da sistematização das entrevistas, que é possível verificar que o Poder Local, no contexto atual das configurações dos sistemas de políticas públicas, já encontra perspectivas mais amplas do que aquelas proporcionadas pelas leituras elitistas. Dessa forma, o aporte pluralista pode oferecer contribuições para a análise da gestão de políticas públicas no contexto contemporâneo.

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O Poder Local, como uma categoria atualizada, se coloca entre os esforços dos/as prefeitos/as para a manutenção do governo local e os aparatos da política pública, conforme estruturados pela União. A percepção mais usual, constatada pelas entrevistas, foi de que a política pública, fomentada pela União, com sua burocracia, seus programas/projetos e a legalidade, é restritiva na dinâmica do governo local e na agenda do prefeito. Ou seja, essa dinâmica diminui o espaço de atuação dos gestores locais no controle dos grupos demandantes das políticas socioassistenciais. Essa análise é uma importante conquista da consolidação do Sistema Único de Assistência Social que já começa a ser compreendido como política pública e não como benesse ou troca de favor. Todavia, o/a prefeito/a quando se utiliza de criatividade e habilidade política, ainda tem a capacidade de ditar sua agenda própria e seus interesses; e, isso pode estar sincronizado, ou não, com os programas desenvolvidos no contexto da política de assistência social.

 

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Para discutir esses aspectos, assim como um maior detalhamento da pesquisa e seus resultados, realizaremos o Webinário "Quem Governa a Política Social nos Municípios?" organizado pelo Núcleo de Estudo em Relações Estado-Sociedade e Políticas Públicas (NESPP) da Universidade Federal da Paraíba. Quarta-feira, dia 08 de julho, 14 horas. Inscrições pelo link: https://sigeventos.ufpb.br/eventos/public/evento/QGPSD

 

[i]Ver: DAHL, Robert. Who governs?Democracy and power in American city. New Haven: Yale/University Press, 1961

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[ii]Ver análise de GRIN, Eduardo José; ABRUCIO, Fernando. Governos locais: uma leitura introdutória. Brasília: ENAP, 2019 (Disponível em https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4159/1/Livro_Governos%20locais_uma%20leitura%20introdut%C3%B3ria.pdf)

[iii]Supervisão da Profa. Dra. Ursula Dias Peres.

[iv]Agradecemos à Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em Brasília, que disponibilizou seu espaço físico para encontro com os/as prefeitos/as e a entrevista.

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