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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Quando os protagonistas saem de cena: vices e suplentes de senador na política brasileira

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Por Redação
Atualização:

Nilton Sainz, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Membro do Observatório das Elites Políticas e Sociais do Brasil

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Por vezes esquecidos, os substitutos de mandatários políticos costumam estar mais presentes do que parecem na nossa representação política. Um exemplo são os vice-presidentes, que em oito oportunidades assumiram em definitivo o cargo de presidente da República[1].

Uma substituição de um chefe do poder Executivo pode significar uma série de reconfigurações em ministérios, secretarias, planejamento de políticas públicas e coalizões. Na prática, nada garante ao eleitor que os vices (em todos os níveis de governo) ou os suplentes darão continuidade às políticas conduzidas pelo titular do cargo. Logo, a pergunta que se impõe é: as substituições de titulares são prejudiciais à democracia? Os casos recentes nos trazem alguma resposta a esse questionamento?

Os falecimentos recentes de Bruno Covas (PSDB-SP), na prefeitura de São Paulo, e de Major Olímpio (PSL-SP), no Senado Federal, reacendem o debate sobre os substitutos. Afinal, quem garante aos eleitores de Covas e de Olímpio que continuarão representados pelos seus substitutos?

Os vices e suplentes são atores políticos que não ganham a devida atenção no debate público, muitas vezes passando desapercebidos pelo eleitorado. Em teoria, a democracia representativa requer um procedimento conduzido por informações qualificadas e acessíveis aos cidadãos. Porém, esse problema se mostra muito mais complexo devido à baixa atenção que ele retém.

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No campo do direito constitucional, são poucas as publicações que estiveram debruçadas sobre o problema. Desde o surgimento do vice na Primeira República, que à época presidia também o Senado Federal é possível notar uma interpretação negativa sobre esse cargo.

Dentre as críticas estão a função secundária que possuem, sendo vistos apenas como "sombra" do titular, que é quem dispõe da relevância para o eleitor. Na Ciência Política brasileira, a atenção para os substitutos também é reduzida, não acumulando investigações sobre esses atores e instituições[2].

A função do vice, contudo, nem sempre é tão secundária quanto parece. Desde o momento da formação de uma chapa, as características do vice são (ou devem ser) consideradas. O vice pode surgir como um ponto de equilíbrio de uma candidatura, mesclando características com o (a) cabeça de chapa, como idade, gênero, ocupação, classe social, entre outros fatores.

Vices e suplentes também podem ser importantes para somar recursos para aquela candidatura, desde financiamento até o tempo de televisão (HGPE). Além disso, pode ser utilizado na construção de governabilidade e coalizões durante a gestão, sendo usado como uma espécie de trunfo para atingir determinado setor da sociedade.

Por outro lado, os substitutos, e em especial os vices, podem receber o rótulo de conspiradores em democracias. Nas palavras de Rui Barbosa, em seus comentários sobre a Constituição Federal Brasileira (1891), o vice seria um fator de mediocridade, inconsistência e desordem para o regime. Nada garante que as relações entre titulares e vices serão estáveis.

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É possível, por exemplo, que o vice seja cooptado pela oposição ao governo e que desenvolva ambições políticas capazes de impulsionar comportamentos que vão contra o parceiro de chapa, criando efeitos contrários daqueles esperados para a função, que é de manter a estabilidade e continuidade em uma possível substituição.

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Afastado desde de 02 de maio do comando da Prefeitura de São Paulo para se dedicar ao tratamento de câncer, Bruno Covas faleceu no dia 16 de maio, o que torna o vice Ricardo Nunes (MDB) prefeito até 2024. Com um perfil diferente de Covas, Nunes tem 53 anos, é empresário e possui uma carreira política recente e ligada a debates conservadores da sociedade[3].

Já no Senado Federal, a Covid-19 vitimou três senadores até o momento. Junto aos falecimentos e as vacâncias no senado, acontecem as substituições pelos suplentes. O falecimento do senador Major Olímpio, em 18 de março, ganhou maior notoriedade devido aos seus posicionamentos diante da pandemia e sua posição de destaque na casa.

O primeiro suplente de Olímpio, o empresário de 47 anos Alexandre Giordano (PSL) tem pela frente seis anos de mandato no Senado. Giordano apresenta um perfil díspar em relação ao titular: mais jovem, não acumula em sua carreira passagens por outros cargos eletivos.

A pergunta que surge é: com qual frequência isso ocorre em nosso país? Dados recentes[4] indicam que de 1985 até 2020, 16% do comando das capitais terminaram sob a responsabilidade dos vice-prefeitos.

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As causas dessas substituições vão desde falecimento, renúncias até cassações de mandatos. Tomando como exemplo o caso do(a)s eleito(a)s prefeito(a)s das capitais em 2016, ocorreram 4 substituições até 2020, todas por renúncia devido às ambições políticas dos prefeitos das capitais, que desejavam competir por outros cargos eletivos.

No Senado Federal, de 1983 até 2015 estima-se que 30% dos parlamentares em atuação na Câmara Alta eram suplentes[5]. Esse mesmo estudo apontou algumas diferenças entre os perfis de senadores e seus suplentes, como por exemplo a maior presença de empresários na função de suplentes, assim como os maiores níveis de escolaridade, idade e experiência política atribuídas aos titulares.

Mas em termos práticos, qual o impacto da substituição de um senador por um suplente? Diferente das consequências de uma substituição em prefeitura, como a reorganização em nomeações de secretarias, no Senado Federal os impactos estão atrelados a possíveis mudança nas votações no Legislativo.

Dados publicados em 2014[6] através do Basômetro demonstraram, no entanto, que os suplentes votaram de acordo com o esperado, ou seja, alinhados aos partidos políticos e o comportamento dos titulares. Por óbvio, essa análise já possui um descompasso com a conjuntura política do país. É possível questionar, por exemplo, se legislaturas com menor taxas de profissionalização política produzem esses mesmos resultados.

Existem alternativas para resolver o problema dos substitutos e reduzir as consequências na representação política desse fenômeno? Utilizando a Constituição Federal de 1891 como exemplo, a substituição do vice em caso de vacância do cargo de Presidente da República nos dois primeiros anos de mandato era temporária, sendo convocadas novas eleições para o cargo principal, se ocorresse após os dois primeiros anos, o vice ficava em definitivo.

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No caso dos suplentes de senador, uma herança da ditadura proposto na constituição de 1967 com outro formato, uma possibilidade que circula é da eleição do segundo senador mais votado no estado na eleição majoritária, próximo ao funcionamento da suplência na Câmara dos Deputados.

Nada impede, por exemplo, de um vice assumir uma prefeitura e realizar um bom governo e ser reeleito, tendo a reeleição como prova de que cumpriu a expectativa de eleitorado. O mesmo pode acontecer com os suplentes no Senado Federal. Porém, além de possuir baixa previsibilidade, existem diferentes processos de substituições com diferentes desfechos.

É possível, como nos casos de falecimento, que o processo seja menos traumático, sem grandes rearranjos ou mudanças institucionais. No entanto, existem substituição com rompimentos entre titulares e substitutos, como o caso de Dilma e Temer em 2016.

Nesses casos, as mudanças são significativas nas instituições, principalmente quando consideramos o caso do Executivo, devido as prerrogativas e os recursos que possuem. À vista disso, as substituições são prejudiciais para o processo democrático e provocam consequências importantes na representação.

A discussão não é simples, e não se trata aqui de realizar um juízo de valor sobre os vices e suplentes, mas de trazer à tona a existência desses fenômenos, que ocorrem com certa frequência nos municípios brasileiros e também no Senado Federal.

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As substituições de mandatários podem provocar dissonâncias com a representação política e as expectativas do eleitorado, mas não podemos afirmar que isso é a regra, os exemplos são variados e podem mudar conforme a conjuntura do processo. São, sem dúvida, assuntos que merecem mais atenção da sociedade e maiores interesses tanto de pesquisadores, como da classe política.

[1] https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/05/12/Temer-%C3%A9-novo-cap%C3%ADtulo-em-longa-hist%C3%B3ria-de-vices-no-poder

[2] Apenas nos últimos anos foram publicados trabalhos da área que investigaram vices e suplentes de senador.

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-26/campanha-de-covas-esconde-vice-nunes-alvo-de-boulos-na-corrida-contra-o-tempo-para-tentar-virar-em-sao-paulo.html

[4] Dados atualizado a partir de Sainz (2020). Sainz, N. (2020) Discretos ou ambiciosos? A carreira eleitoral dos vice-prefeitos das capitais estaduais brasileiras (1985-2018). Mestrado em Ciência Política. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

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[5] Araújo, P. (2018). Perfis e trajetórias de parlamentares titulares e suplentes no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Teoria e Pesquisa, 27(1), pp. 106-139.

[6] Dantas, H. & Teixeira, M. E o problema é o suplente de senador? In: H. Dantas, J. Toledo & M. Teixeira (2014) Análise Política e Jornalismo de dados: ensaios a partir do Basômetro, Editora FGV, Rio de Janeiro.

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