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Política e sociedade: as manifestações de rua de 2013 e 2015

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Por Redação
Atualização:

 

Marta Ferreira Santos Farah, Socióloga e professora do Departamento de Gestão Pública da EAESP-FGV

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As manifestações de junho de 2013, marcadas pela forte presença de jovens, reuniram no mesmo espaço público integrantes de movimentos que defendiam a manifestação como uma ação política e uma massa de indignados com a política e com a ação governamental. Mas, mesmo estes, que rejeitavam a política, fizeram política.

Os manifestantes fizeram política porque se posicionaram em relação a temas relevantes da vida social, procurando se fazer ouvir no espaço público. Uns se manifestaram contra a política. Outros, em relação a uma política ou a medidas no âmbito de políticas específicas: contra o aumento das passagens; contra a repressão policial; contra a corrupção; pela qualidade dos serviços públicos; contra os gastos da Copa.

Analistas e integrantes de movimentos sociais e de organizações políticas tradicionais manifestaram sua perplexidade diante da eclosão de um movimento que extravasava as formas tradicionais de ação coletiva. Questionava-se a ausência de partidos, de lideranças e de propostas claras. O movimento era múltiplo em seu foco e em sua composição, resultando ainda de uma nova forma de mobilização na esfera pública, por meio das redes sociais.

Ainda que difusas e multifacetadas, as manifestações foram ouvidas pelos políticos: novos temas foram incorporados pela agenda de partidos à direita e à esquerda. Após as manifestações, disputaram lugar na mídia programas partidários que procuravam incorporar a voz das ruas (ou dela se apropriar). A distância entre o discurso dos representantes partidários e o(s) grito(s) dos participantes evidenciava o desafio da reaproximação entre representantes e aqueles que julgavam representar.

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Os temas levantados pelas manifestações repercutiram também na agenda governamental. No nível municipal e estadual, em vários pontos do país, foram revogados aumentos de tarifas de ônibus. No nível federal, medidas foram propostas em diversas áreas (responsabilidade fiscal, reforma política, mobilidade urbana, educação e saúde), em resposta à multifacetada agenda societária.

A presença ativa da sociedade civil no espaço público não é algo novo no Brasil. Vale lembrar não apenas do movimento das Diretas Já, mas, também, da importância dos movimentos sociais urbanos, nos anos 70, na luta contra a ditadura, no combate à carestia e na luta pelo direito à saúde, à creche, à moradia e ao transporte público. Na construção de políticas públicas no contexto democrático participaram o movimento feminista, o movimento negro, organizações indígenas e o movimento LGBT, assim como movimentos em torno do combate à violência e da defesa do meio ambiente. Todos estes movimentos contribuíram para avanços ocorridos no Brasil após a redemocratização, hoje reconhecidos internacionalmente: a criação de mecanismos de participação, de um lado, e, de outro, a redução da pobreza e, em menor escala, a diminuição da desigualdade.

A influência da sociedade na democratização e no desenho de novas políticas públicas não foi um processo linear e isento de conflitos. É justamente esta uma das características centrais da política - a disputa (civilizada) entre propostas, derivadas de diferentes visões a respeito da sociedade e de seus problemas.

Como está hoje este processo de disputa política, quase dois anos após as manifestações de junho de 2013?

Nas manifestações de 2015, explicitaram-se de forma clara cisões já presentes em 2013. No dia 15 de março, manifestaram-se os que têm como principal bandeira o combate à corrupção, incluindo participantes que, embora não tão jovens, foram pela primeira vez às ruas. No âmbito desta vertente dos movimentos, inclui-se a proposta de impeachment da presidente Dilma e, de forma minoritária, a proposta do retorno à ditadura!

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Outras manifestações, como a do dia 13 de março, rejeitaram a equiparação do combate à corrupção à luta contra o governo e contra o PT, propondo a defesa de direitos, da reforma política e da Petrobrás. Outras ainda, constituíram-se em torno de temas específicos ligados à preservação de direitos, como no caso das ocorridas em todo o país contra a lei de terceirização.

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A mobilização em torno de pautas distintas foi acompanhada por uma crescente polarização da disputa política - a qual não se dá apenas nas ruas e nas redes sociais, mas também no ambiente político tradicional, nos partidos e no Congresso, com intensa participação da mídia.

Diante desta polarização, alguns desafios se colocam.

Um primeiro desafio consiste no reconhecimento e na aceitação de que, em uma democracia, convivem e disputam entre si diferentes projetos de sociedade e, consequentemente, diferentes projetos políticos. Este reconhecimento implica o repúdio à desqualificação antecipada da posição do outro e a recuperação da capacidade de escuta, assim como a valorização de espaços e fóruns de divulgação de posições distintas.

Mas o reconhecimento da existência de projetos em disputa requer também o engajamento no debate público, com base em argumentos. Este é um segundo desafio: o de posicionamento.

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Ouvindo a(s) voz(es) que emanam das ruas - sobretudo a dos jovens - mas também olhando para trás, para o legado das últimas décadas - e contando com a memória dos que viveram o período autoritário e a luta pela redemocratização - cabe construir um projeto orientado simultaneamente para a renovação ética na política (e na sociedade), e para a preservação das conquistas recentes no plano social e político, de forma a evitar o retrocesso na esfera dos direitos.

É preciso estarmos atentos não apenas às ruas, mas também a um movimento em curso no Congresso Nacional, que põe em risco direitos assegurados nas últimas décadas (em alguns casos, muito antes). A lei de terceirização, propostas de mudanças no SUS, o projeto de redução da maioridade penal, a revisão da política de controle de armas são alguns exemplos de retrocessos possíveis, a requerer debate público, ampla divulgação pela mídia e posicionamentos claros por parte da sociedade.

 

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