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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Poder local e gestão pública

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Por Redação
Atualização:

Anderson Rafael Nascimento, Doutor em Ciência Política e Professor Visitante PGPCI/UFPB.

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Eduardo José Grin, Doutor em Administração Pública e Governo e professor da FGV EAESP.

 

O aprimoramento dos sistemas de políticas públicas implementados na primeira década dos anos 2000, projetou na teoria e na prática, uma maior importância ao papel da União. Os municípios, inclusive do ponto no debate acadêmico, ficaram em segundo plano, durante aquele contexto. Eles eram tomados como executores de políticas (FARAH, 2013), com sensíveis impactos na redução dos espaços para inovações nas políticas públicas locais.

Diante dos recentes governos centrais - Temer e Bolsonaro - o debate sobre a importância do município reapareceu de maneira atabalhoada. Esses recentes discursos governamentais se colocam muito mais como narrativa e argumento para o desmonte do ente federal e de sua coordenação, do que com propostas para descentralização e/ou delegação de responsabilidades. Assim, "mais Brasil e menos Brasília" é retórica vazia de significados e de propostas práticas.

Portanto, nesse contexto contemporâneo, o debate sobre os municípios está colocado em um limbo. Por um lado, os entes municipais encontram estrutura mais robusta, com equipamentos públicos e profissionais para executar suas políticas públicas (VELOSO et. al., 2011). Eles também alocam significativos recursos próprios para sua manutenção (NASCIMENTO, PERES, 2020).

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Por outro lado, juntamente com essa consolidação, os governos locais podem conviver com formas de condução da política pública ainda muito marcadas por interferências privadas, sobretudo, pelos grupos que dominam a cena política no local.

O município, sua gestão e suas políticas públicas são arenas concretas de disputas entre interesses e atores. O teor dessas disputas se reflete nas pressões pela racionalização burocrática, métodos públicos e o predomínio dos interesses privados de grupos que dominam a vida local. Portanto, o poder local dos municípios no contexto contemporâneo se coloca entre a estabilidade do governo local, os parâmetros da operacionalização das políticas públicas, pressões pela formação de coalizões e a resposta aos grupos de interesses.

Dessa forma, o debate acadêmico sobre o papel do município se torna uma proeminente agenda de pesquisa na medida que busca lidar com o cenário atual da consolidação das políticas públicas, mas que, simultaneamente, ilumine os dilemas associados às dinâmicas internas de cada realidade local.

Esse tema tem importância, pois a Constituição Federal de 1988 guindou o município à condição de ente federado com autonomias políticas e administrativas. Essa condição dificulta, em termos nacionais, a consolidação de estratégias para implementação de reformas do Estado e estabelecimento de padrões na prestação de serviços públicos. Portanto, compreender as dinâmicas internas nos municípios pode ser mais uma forma para analisar os elementos cruciais para a provisão de serviços públicos nacionais para a cidadania.

Essa dinâmica interna da gestão das políticas públicas tem recebido atenção nos debates sobre capacidades estatais[i]. Esse conceito não está diretamente relacionado com autonomia, já que por vezes, uma maior autonomia dos prefeitos pode reduzir a capacidade administrativa da gestão pública. Contudo, é importante demonstrar que as capacidades, compreendidas como estoque de recursos, podem viabilizar a autonomia, compreendida como agência dos atores e institucionalidades.

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Nessa forma de compreender, o município não pode ser considerado somente como um ente neutro e pronto para receber e cumprir os parâmetros dos outros níveis da federação. Eles devem ser considerados como mais um ente, ou um nó, de uma rede que se forma entre os agentes implementadores de uma determinada política e esse lugar determina a capacidade estatal local (LIMA-SILVA; LOUREIRO, 2020). Portanto, o município, com seu histórico político e sua gestão pública, reserva histórias e trajetórias e isso é um elemento que impacta na relação entre os entes federativos e, internamente, em seu território e na forma de condução das políticas públicas.

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Essa forma de compreender os dilemas do local, suas capacidades e suas interfaces com a política, pode ser trazida por meio do debate sobre o poder local. O poder local é um tema importante na compreensão da formação do Estado nacional e nas relações entre seus entes federados. Esse conceito permitiu, no contexto dos estudos clássicos, por exemplo, em "Coronelismo, enxada e voto" de Vitor Nunes Leal, compreender relações entre interesses privados e suas conexões com a formação da classe política e do Estado local.

Essa forma de abordagem sobre o poder local relacionava-se com a ideia de território e instituições locais. A política se colocava como um jogo de reprodução do poder dos grupos e atores tradicionais. O Estado local ainda encontrava dificuldades para legitimar sua atuação descolada dos interesses daqueles que o dominavam A gestão pública, no contexto dessas análises, aparecia como um elo de ligação e manutenção entre os interesses privados, normalmente da classe dominante, e a ação do Estado em nível local..

A consolidação de aparatos relacionados com as políticas públicas pode ter gerado algum impacto e pluralização nessa forma de compreender o poder local e a gestão pública. Em que medida essa tradicional perspectiva sobre poder local impacta na gestão das políticas públicas municipais quando se depara com gestões públicas burocráticas ou que ainda estão em fase de amadurecimento burocrático? Quais são os dilemas que o poder local apresenta para que os municípios lidem com aspectos como transparência pública, integridade, parcerias públicos-privadas?

Essas questões encontram convergências com debates sobre aspectos relacionados, por exemplo, com a dominação da política por grupos sociais ou empresariais, a manutenção de práticas clientelísticas e podendo até mesmo chegar na captura da gestão pública por milícias locais.

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Dossiê: Poder Local e Gestão Pública

Abordando essas temáticas e como parte de uma agenda de pesquisa mais ampla, a Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais (RPPI), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), organiza, sob coordenação desses autores, seu Dossiê Especial "Poder Local e Gestão Pública"[ii]. O Dossiê receberá e divulgará estudos sobre como a gestão das políticas públicas e o processo de tomada de decisão são impactados pelas realidades do poder local contemporâneo.

O Dossiê não partirá de definições sobre as interferências do Poder Local na gestão públicas, por entender que esse é um campo em construção. Nesse processo, política e gestão devem ser consideradas de forma conjunta, ainda que sua convivência possa ser desafiadora. Além disso, os trabalhos devem iluminar realidades e convivências associadas com atores e interesses que influenciam a tomada de decisão e racionalidades públicas.

As análises sobre o Poder Local e Gestão Pública poderão trabalhar com as seguintes temáticas:

1)         Consolidação da burocracia local e a interferência de interesses privados;

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2)         Capacidades estatais e a autonomia do Estado no local;

3)         Cooperação Intermunicipal e arranjos para o desenvolvimento local;

4)         Integridade, accountabillity e transparência de processos decisórios local;

5)         Participação e controle social;

6)         Desafios da gestão municipal e do poder local no cenário pós-pandemia.

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A chamada completa para o Dossiê pode ser acessada em https://periodicos.ufpb.br/index.php/rppi/announcement/view/637

Dúvidas contatar: andersonrafa@gmail.com ou eduardo.grin@fgv.br

 

 

Referências:

FARAH, Marta F. S. Políticas públicas e municípios: inovação ou adesão? In: LUKIC, Melina Rocha; TOMAZINI, Carla. (Org.). As ideias também importam: abordagem cognitiva e políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá Editora, p. 171-193, 2013

LIMA-SILVA, Fernanda; LOUREIRO, Maria Rita. Beyond local (in)capacity: analyzing the implementation of a federally induced urban policy in Brazil. Brasília. Revista do Serviço Público: v.71, b, pp. 116 - 143, 2020

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NASCIMENTO, Anderson Rafael. PERES, Ursula Dias. Entre o governo e a política pública: poder local, prefeitos em pequenos municípios e a política de assistência social. São Paulo: Anais do 44? Encontro Nacional da ANPOCS, 2020

VELOSO, João Francisco; MONASTERIO, L. M.; VIEIRA, R. S.; MIRANDA, R. B. Gestão Municipal no Brasil: um retrato das prefeituras. Brasília: IPEA, 2011.

[i] A Revista do Serviço Público editou recentemente um dossiê sobre o tema e pode ser encontrado em https://doi.org/10.21874/rsp.v71i0

[ii] Mais informações em https://periodicos.ufpb.br/index.php/rppi/announcement/view/637

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