Júlia Bigélli, Especialista em aviação e transportes e Advogada no ASBZ Advogados
Renan Melo, Advogado no ASBZ Advogados, membro da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB-SP
A pandemia de Covid-19 notoriamente impactou todo o setor de transporte de passageiros, e com o setor ferroviário, por vezes esquecido, não foi diferente. As restrições de circulação de pessoas, impostas pelos entes governamentais como principal medida de combate à pandemia, contribuiu diretamente para que número de passageiros esperados no setor fosse, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANTPTRILHOS), 55,9% menor em 2020 quando comparado a 2019. O apontamento é corroborado por dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os quais apontam que o transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil apresentou queda de 73,2% no segundo semestre de 2020, em relação ao mesmo período do ano anterior.
No Brasil, a maior parte da administração do sistema de transporte urbano fica a cargo do Poder Público Municipal, e este, por limitação orçamentária, em regra acaba realizando sua concessão a empresas privadas através de licitação.
Diante dos impactos da pandemia, diversos debates foram levantados acerca de um necessário socorro financeiro por parte do governo federal às empresas que prestam tais serviços à população, o que, apesar de ter originado um Projeto de Lei aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados (de número 3364/20, do deputado Fabio Schiochet), acabou vetado pelo presidente da República. É sabido que a maior parte do transporte urbano nacional é sustentado pela tarifa paga pelos usuários, com o devido complemento dos subsídios públicos. E para continuar coibindo a deficiência orçamentária, é possível que tais subsídios públicos tenham de ser cada vez mais elevados para que o preço da tarifa não dispare. Muito embora a previsão seja de que os preços das tarifas também continuarão subindo devido à inflação. A grande preocupação desse cenário é de que chegue o momento em que o déficit seja tamanho, que o valor necessário de subsídio estoure o possível por parte do Poder Público, o que, no longo prazo, pode gerar verdadeiro colapso do setor.
As perspectivas para 2021 já eram de que houvesse novos investimentos por parte dos entes públicos para expansão, melhorias na segurança e diminuição da poluição, o que, com o avanço da vacinação da população e retorno das atividades de comércio e turismo deve se manter para o próximo ano. As concessões também estão nas expectativas de investimentos do governo federal em 2022, tanto de monotrilhos quanto de metrôs.
É nesse contexto que se insere o "Programa Pró-Trilhos" do governo federal, que incita a expansão da malha ferroviária no Brasil via outorga com autorização. Ele atingiu, em novembro deste ano, previsão de R$ 100 bilhões de investimentos. Até o momento, foram apresentados 23 requerimentos por 12 empresas investidoras, dos quais 19 já foram encaminhados à Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT) para análise.
Além dos planos de expansão, há grande expectativa de que o setor ferroviário - público e privado - invista em melhorias para a redução da poluição gerada até 2030, no intuito de cumprir as metas colocadas pela COP-26, 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
Durante o encontro anual realizado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) com representantes de diversos países com intuito de debater as mudanças climáticas no mundo, foi definido que, até 2035, o uso de veículos que utilizam como matriz energética a queima de derivados de petróleo deveria ser superado. Assim, no intuito de cumprir a citada meta e criar uma matriz de transporte "verde", o Brasil apresentou três planos de concessão de ferrovias - Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e Ferrogrão - que tem como principal objetivo diminuir a quantidade de caminhões circulando nas rodovias e, consequentemente, reduzir a emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera.
Ainda, pouco antes da realização da COP-26, em junho de 2021, o Brasil passou a integrar o Coalition os Disaster Resilient Infraestructure (Coalizão para Infraestrutura Resiliente a Desastres - CDRI), organização criada durante a Cúpula do Clima de 2019, em Nova Iorque, que tem como objetivo o auxílio mútuo entre países na promoção de infraestruturas que sejam adequadas às mudanças climáticas. Com a entrada no Brasil no CDRI, já está em elaboração projeto da agência de fomento alemã GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) com foco no desenvolvimento sustentável, com objetivo de mapear a vulnerabilidade dos transportes ferroviário e terrestre para posteriormente verificar onde há necessidade de ação imediata, o que pode auxiliar o país a cumprir as metas colocadas posteriormente pela COP 26.
Sabe-se que ainda há muitos desafios a serem enfrentados, mas o período pandêmico pode ter servido como uma possibilidade de se valorizar mais o potencial do transporte ferroviário, sendo que o Brasil tem grandes chances de ampliação do modal ferroviário e, principalmente, de regular uma matriz de transporte verde e sustentável.