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PEC 13/2021: premiando a falta de planejamento educacional

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Por Redação
Atualização:

Zara Figueiredo Tripodi, Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFOP

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O Senado aprovou ontem, em segundo turno, a PEC n? 13/2021, defendida principalmente, pelo senador Marcos Rogério, do DEM/RO,e pela relatora, a senadora do PSL/MS, Soraya Thronicke. A questão central da PEC é a anistia a Estados e municípios que não vincularam em 2020 e 2021 o percentual mínimo de 25% de recursos próprios, incluídas as transferências, à educação, conforme dispõe o art. 212 da Constituição. Assim, busca-se alterar o art. 115 das Disposições Constitucionais Transitórias.

Além de parlamentares como o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco-DEM-MG, Antônio Anastasia - PSD-MG, também senadores do MDB, Podemos e PSL assinaram a PEC, endossada pela Frente Nacional dos Prefeitos. A justificativa apresentada pela proposta está circunscrita à queda de arrecadação de alguns entes estaduais e municipais "nos primeiros seis meses de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019". Ainda segundo o texto, os entes subnacionais tiveram que aportar maior volume de recursos em ações de saúde, devido à pandemia do COVID. E, por fim, teria havido redução de despesas educacionais em decorrência das escolas estarem fechadas.

Vinculada a esta última justificativa, está a defesa da relatora, senadora Soraya Thonicke, que, na sua argumentação, afirma que anistiar os gestores evitará a má gestão do gasto público. Isso porque, seguindo a lógica da relatora, os entes subnacionais tenderiam a gastar o recurso da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino sem critérios, apenas para atender ao disposto legal.

Pois bem, um dos primeiros aspectos que se precisa discutir é que se está alterando a própria Constituição. Ainda que se argumente que a alteração tenha efeito apenas para 2020 e 2021, abre-se um precedente perigoso para o financiamento da educação no Brasil, sugerindo que, em possíveis momentos de restrição orçamentária, o mesmo arranjo poderá ser utilizado.

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O tratamento leviano dado à educação, expresso pelos frágeis argumentos que justificariam a PEC, pode ser examinado pelo menos sob duas lentes interpretativas: o lugar da política social no Brasil, especialmente, no atual governo; e o improviso que parece sobrepor ao planejamento, ainda que exista um Plano Nacional de Educação em vigência.

No primeiro caso, é sabido que, no Brasil, as políticas sociais, principalmente as educacionais, não estão no centro dos mecanismos de legitimação política dos governos, como bem argumentou Marta Arretche, há mais de uma década, ao tratar do federalismo e políticas sociais.

Um dos efeitos dessa lógica político-institucional é que ela não produz incentivos para que Estados ou municípios expandam ou qualifiquem suas políticas educacionais, pois há certa compreensão tácita de que a educação não faz com que os eleitores recompensem candidatos na competição eleitoral. Ou seja, em que pese a retórica política, acredita-se que "educação não dá voto".

Assim, no contexto federativo brasileiro, tanto os incentivos quanto as sanções, no que tange às políticas educacionais, não se efetivam por meio da compreensão de que a educação é um ativo político importante, mas, antes, são induzidos, sobretudo, pelo governo federal.

Note-se que se estão avizinhando as eleições de 2022, que poderia ser uma variável a incidir sobre as decisões dos parlamentares relativas à educação; no entanto, não é este o quadro que se apresenta.

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Ainda que apenas 5% do total de municípios não tenha cumprido a vinculação mínimos, optou-se por propor uma PEC que cubra 2020 e 2021e que possa ser usada por todos, inclusive aqueles que cumpriram a determinação legal.

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Ora, neste sentido, a PEC 13/2021 não só premia os que não cumpriram com o "mínimo" em educação, como induz o comportamento inadimplente com a política, haja vista que estamos ainda no ano escolar de 2021, com a volta das aulas em municípios e Estados.

E é nessa perspectiva que se encaminha o segundo ponto, vinculado ao primeiro, que é o planejamento da política.

Historicamente, o campo da educação ressente-se da descontinuidade de ações e programas, decorrente da troca de partidos políticos na gestão e a percepção errática de que não haveria débito simbólico com o passado. Assim, na medida em que novos gestores assumem a administração, busca-se desconstruir o que porventura já tenha sido produzido pelos antecessores.

O Plano Nacional de Educação (2014-2024) e suas versões municipais e estaduais tinham como objetivo central romper com esse ciclo vicioso e induzir uma lógica de planejamento de médio-longo prazo.  Isso quer dizer que há metas e estratégias a serem consolidadas em plena vigência, o que se agravou com a pandemia.

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Tendo em vista este contexto, os argumentos apresentados pela PEC não têm sustentação teórica ou empírica.

Primeiro porque trabalhos como o da Rede de Pesquisa Solidária, na sua Nota Técnica n? 27, mostram que em 2020, a receita de ICMS teve queda real menor do que 2% na média, e quase a maioria dos Estados apresentou aumento da arrecadação desse imposto. Além disso, a NT conclui que o auxílio financeiro aos Estados foi superior à perda de receita própria dos Estados.

Segundo porque a impossibilidade de vincular minimamente 25% por conta das escolas estarem fechadas só faria sentido se o retorno às aulas, no contexto de pandemia, não implicasse planejamento sério. E não é o caso.

Além das metas do PNE a serem cumpridas, todos os protocolos de biossegurança recomendam espaços ventilados, máscaras, disponibilidade de gel nas escolas, redução de turmas, instalação de lavatórios nos espaços externos. Isso sem falar em cursos de aperfeiçoamento de docentes que devem considerar a condições cognitiva de boa parte dos alunos que ficaram, na média, só em 2020, 178 dias sem aulas, conforme relatório da OCDE.

Todas estas ações necessariamente demandam planejamento, pois o recurso público tem critérios para serem utilizados; os gestores sabem que os processos licitatórios precisam obedecer a prazos inflexíveis.

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Portanto, a esta altura, em um cenário de mais de um ano de escolas fechadas era de se esperar que o planejamento do retorno estivesse sendo feito e o investimento aumentado, com a colaboração da União, tendo em vista os desafios postos.

O que se vê, no entanto, parece ser a crença no improviso como "instrumento" de gestão. O parlamento que deveria legislar em torno da atuação supletiva e redistributiva do governo federal trabalha na direção contrária, premiando os que se desresponsabilizaram com a educação e induzindo a desresponsabilização dos que cumpriram com o mínimo, em um momento que é necessário o máximo de atenção e planejamento educacional.

Caberá à Câmara corrigir ou manter o erro. A conferir...

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